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Lia Bock

Desafio da rasteira: a idiotice viraliza e os pais surtam

Universa

13/02/2020 04h00

(iStock)

Se tem um desserviço que as redes sociais nos fizeram foi a viralização de coisas idiotas e perigosas como o tal "desafio da rasteira". Se por acaso você ainda não ouviu falar, essa é uma "brincadeira" entre adolescentes que consiste em sacanear e passar uma rasteira no outro, que, no despreparo de quem é trolado, cai com certa violência no chão.

Uma tolice como outras que jovens de várias épocas já fizeram. No meu tempo se chamava "cama de gato". Meu irmão e os amigos me pegaram várias vezes nessa. Ali, o objetivo também era em dupla derrubar uma terceira pessoa. A diferença é que, nos idos de 1990, não havia celular pra filmar e nem redes sociais para espalhar a baboseira. E é aí que mora o problema.

Zombar dos outros sempre foi uma atividade adolescente. Desde que o mundo é mundo, jovens com os hormônios em ebulição pregam peça nos colegas, irmãos e amigos. Aquela coisa boba que tem seu ápice no estilo "Jackass" que transforma as baboseiras em desafios radicais. Pois bem. A diferença agora é que zombar do outros pode se tornar "viral" e isso deixa a coisa mais excitante – e, consequentemente, mais idiota e perigosa.

Trolar os outros já é algo questionável, trolar os outros para ver seu vídeo receber milhares de curtidas é bem pior.

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Porque, sim, a motivação importa. E é isso que temos que mostrar para os nossos filhos. Não basta mostrar os vídeos terríveis que chegam pelo zap, não basta dizer que pode matar. É preciso inserir um pouco de princípio nessas história: caçoar ou zoar alguém para obter fama e likes na internet é uma coisa muito, mas muito feia! Tem risco de vida, claro, mas tem risco de perda de noção da realidade e do que realmente importa nessa vida. 

O respeito e a integridade do corpo do outro precisam entrar nessa conversa, assim como a confiança. Pedir para o amigo pular, fingindo que a brincadeira é uma, e derrubá-lo quando ele está no ar é uma quebra de confiança gravíssima, assim como encaminhar uma foto sem autorização. Não tem like, curtida ou número de seguidores que justifique esse tipo de coisa. 

Me preocupa muito o que esses jovens fazem, farão ou pensam em fazer em troca da tal viralização. E é preciso deixar translúcido pra eles que sacanear alguém e promover uma quebra de confiança desse tamanho em troca de curtidas nas redes nos degrada enquanto humanidade. 

E nessa hora entram os pais e as mães. Todos muito preocupados com a segurança e a vida dos seus filhos tendo um surto coletivo em nove entre dez grupos de zap. O que está diante de nós não é apenas uma brincadeira besta e que pode ser fatal – como a mídia bem noticiou. É também um problema mais profundo que vem da falta de maturidade e responsabilidade desses jovens em ter uma câmera ligada no wifi e nas redes sociais 24 horas por dia. Precisamos entender que esses celulares, que nos convencemos serem tão importantes para eles poderem se locomover e avisar onde estão, são também armas em potencial – e o "desafio da rasteira" é só um dos tipos de munição de sal dele. 

E não adianta a gente culpar o Youtuber que aparentemente inventou essa história. E nem dizer que a plataforma deveria vetar esses vídeos, se somos nós que colocamos esses celulares na mão dos nosso filhos. E não vou fazer a hipócrita e dizer que deveríamos vetar os gadgets até eles fazerem 18 anos, mas é preciso que nos responsabilizemos pela educação digital dessa turma que se acha muito esperta, mas não passa de um bando de pós-crianças em efervescência.

É claro que na hora da comoção e da agitação coletiva em torno desses vídeos a gente quer mais é afastar o mal imediato dos nossos filhos, mas precisamos ter em mente que educação digital precisa fazer parte da rotina, e não só aparecer nos momentos de crise aguda.

E, por fim, mas não menos importante, precisamos nos perguntar se não estamos nós mesmos a serviço dessa viralização quando encaminhamos esses vídeos e mostramos para os nossos filhos.

Sobre a autora

Comentarista na CNN Brasil, a jornalista Lia Bock começou a blogar em 2008 no site da revista "TPM", onde foi também editora-chefe. Passou por publicações como "Isto É", "Veja SP" e "TRIP". É autora dos livros "Manual do Mimimi: do casinho ao casamento (ou vice-versa)” e do "Meu primeiro livro", ambos editados pela Companhia das Letras. É mãe de quatro filhos e pode ser encontrada no Instagram @liabock e no Twitter @euliabock

Sobre o blog

Um espaço para pensatas e divagações sobre notícias, sexo, filhos, coração partido, afetações apaixonadas e o que mais parecer importante ao universo feminino.

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