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Lia Bock

Japinha do CPM22 e a infame cultura das novinhas

Lia Bock

11/06/2020 04h00

Japinha, do CPM 22 (Imagem: Cláudio Augusto/Brazil News)

Há oito anos, Japinha, baterista da banda CPM 22, flertou com uma menina de 16 anos. Eles nunca se encontraram, mas os prints da conversa foram vazados agora. Ali, vemos uma (tradicional) paquera entre fã e ídolo, vemos que o baterista achava que a garota tinha 18 anos, e ela contar que na verdade tinha 16. E, então, vemos ele responder: "Já namorou muito tempo? Já fez amor?". E, ao que ela responde que é virgem, ele rebate: "Que linda. Assim eu me apaixono". 

Não estamos aqui para julgar Japinha. Até porque ele está lidando com as consequências de seus atos: foi rapidamente afastado da banda, está aguentando um doloroso cancelamento virtual e –importante– a lei está do seu lado. Também não estou aqui para analisar seu caso colocando em perspectiva a relação de Caetano Veloso e Paula Lavigne ou de Marcelo Camelo e Mallu Magalhães, ambos casais sólidos citados por ele como exemplo de relações que começaram enquanto as mulheres ainda eram adolescentes. 

Mas achei essa uma ótima oportunidade pra gente falar da "cultura das novinhas". 

Poderíamos falar aqui da falta de criatividade de uma sociedade que impõe a juventude às mulheres. Poderíamos falar da desvalorização da experiência e da maturidade, mas, infelizmente, esses assuntos ficam pequenos quando nosso flerte com o viço e a ingenuidade tem cunho sexual. Por que sabe o que mora nessa mesma página? O abuso infantil. E isso deixa todo o resto desimportante.

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Sei que estamos falando aqui de um cara que trocou mensagens com uma menina de 16 anos, nem transou com ela e foi tudo consentido. E, por isso, reafirmo que o ponto não é o caso do Japinha em si. Mas, veja, quando ele diz "assim eu me apaixono" ao saber que a garota é virgem, está desenhando o estereótipo dessa cultura cada vez mais vívida em nosso país. E ela está nos funks (aos montes), nos filmes pornôs em que mulheres usam uniformes colegiais e em novelas e filmes em que homens não se controlam ao ver uma adolescente.

É exatamente assim que vamos dando corpo à cultura e transformando meninas cada vez mais novas em mulheres foco do desejo masculino, vamos sexualizando garotas que muitas vezes ainda não têm malícia e nos fixando neste lugar desconfortável. 

Você não acha desconfortável? Pois deveria. Como bem mostra o filme "Um Crime Entre Nós", estamos em segundo lugar no ranking de países com maior número de ocorrências de exploração sexual infantil (Freedom Fund).  Produzido pela Maria Farinha Filmes e pelos institutos Liberta e Alana, o longa-metragem apresenta dados e entrevistas e trata da naturalização dos crimes sexuais contra crianças e adolescentes. E deixa bem claro como essa cultura nos leva para um lugar nefasto. Este é o fim da linha. É onde qualquer defesa cai por terra e precisamos lidar com a indigesta realidade em que crianças estão sendo exploradas e abusadas para satisfazer aqueles que "curtem uma novinha". 

Japinha cometeu um crime? Não. A lei brasileira é clara ao dizer que, a partir de 14 anos, se a relação for consentida, está dentro da legalidade. Mas seu escárnio em praça pública pode ser muito útil para trazer para a mesa aonde essa cultura das novinhas nos leva.

Sobre a autora

Comentarista na CNN Brasil, a jornalista Lia Bock começou a blogar em 2008 no site da revista "TPM", onde foi também editora-chefe. Passou por publicações como "Isto É", "Veja SP" e "TRIP". É autora dos livros "Manual do Mimimi: do casinho ao casamento (ou vice-versa)” e do "Meu primeiro livro", ambos editados pela Companhia das Letras. É mãe de quatro filhos e pode ser encontrada no Instagram @liabock e no Twitter @euliabock

Sobre o blog

Um espaço para pensatas e divagações sobre notícias, sexo, filhos, coração partido, afetações apaixonadas e o que mais parecer importante ao universo feminino.

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