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Lia Bock

A pantera se foi, mas seu tapa precisa permanecer em nós

Lia Bock

04/06/2020 04h00

Trecho do curta "Tapa na Pantera"

Ontem morreu, aos 85 anos, Maria Alice Vergueiro, uma das mais importantes atrizes de teatro do Brasil e talvez a única que, aos 70 anos, saltou do underground dos palcos para o mainstream da internet. Era 2006 e estamos falando de um recém-chegado site de compartilhamento de vídeos chamado YouTube.

Maria Alice foi a protagonista do curta "Tapa na Pantera", onde, em três minutos, faz uma ode à maconha. Dirigido pelo então (muito) jovem Esmir Filho e seus comparsas, Mariana Bastos e Rafael Gomes, o filmete despretensioso se tornou um dos primeiros virais brasileiros. Naquele tempo, a gente nem usava a palavra "viral" e muitos assistiram ao curta se questionando se era encenação ou realidade.

O próprio Esmir não tinha certeza de até onde iria a fama do curta. "A internet é efêmera, pode ser que daqui a um mês ninguém saiba o que é o tapa na pantera", disse o diretor em uma entrevista ainda em 2006. Mal sabia ele.

De repente, aquela tão respeitada como porra louca atriz foi catapultada para uma fama à qual nenhum de seus diversos prêmios à levou –hoje o vídeo tem mais de 8 milhões de views e ainda diverte jovens país afora. Em entrevista ao canal Vírgula, Maria Alice contou que foi o sucesso na internet que a fez comprar um computador.

Reconhecida na rua, ela passou anos batendo papo com jovens que haviam recém-descoberto seu vídeo. Claro, sempre tem uma nova geração para descobrir o que a internet eterniza. E, apesar do monotema que por vezes parecia diminuir a atriz, ela estava colhendo ali o fruto da semente que sempre plantou: "Adoro estar entre a moçada", disse em entrevista a Artur Veríssimo em 2016 num programa chamado Bem Bolado, que falava (claro) sobre maconha e adjacências. 

Maria Alice sempre foi jovem, sempre foi livre e é muito inspirador que um dos primeiros virais da nossa história seja dela e seja sobre "puxar um fuminho". Anti-caretice, essa senhora sempre muito articulada e cheia de referências deixou pra nós muito mais do que uma mera esquete. Ela deixou também a inspiração para uma vida divertida e sincera.

Deixou a certeza de que já fomos menos podados e a lembrança indelével de que já vivemos momentos mais leves, onde ainda não existiam cancelamentos virtuais e a patrulha da bíblia só chegava pela porta da frente, tocando a campainha. Um tempo onde a internet era bem mais ingênua, e fake era sinônimo de uma simples encenação. 

Mas o que importa agora é o legado e, vamos combinar, tapa mesmo é marcar a história da nossa internet com um viral sobre maconha. O resto é larica pra boi dormir. 

Guardemos, sim, as lembranças da grande atriz, como bem conta Mauricio Stycer, mas zelemos para que o tapa de Maria Alice conste também da história da maconha no Brasil, no dia em que qualquer um possa soltar sua pantera como e onde quiser. Ofereçamos a primeira gargalhada desses novos tempos (oxalá logo) a ela.

Sobre a autora

Comentarista na CNN Brasil, a jornalista Lia Bock começou a blogar em 2008 no site da revista "TPM", onde foi também editora-chefe. Passou por publicações como "Isto É", "Veja SP" e "TRIP". É autora dos livros "Manual do Mimimi: do casinho ao casamento (ou vice-versa)” e do "Meu primeiro livro", ambos editados pela Companhia das Letras. É mãe de quatro filhos e pode ser encontrada no Instagram @liabock e no Twitter @euliabock

Sobre o blog

Um espaço para pensatas e divagações sobre notícias, sexo, filhos, coração partido, afetações apaixonadas e o que mais parecer importante ao universo feminino.

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