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Lia Bock

A vida é mais fácil pra casais que transam todo dia

Lia Bock

23/01/2020 04h00

(iStock)

Muito se fala sobre manter o fogo do casal ao longo dos anos. Formas de apimentar a relação, vibrador, filmes. Os mais variados tipos de casais fazem o que podem pra deixar a chama acesa. Mas, verdade seja dita, existem aqueles afortunados que transam todo dia sem muito esforço ou programação.

Vivo me perguntando do que são feitas essas parejas. Onde vivem? Do que se alimentam? Que newsletter assinam? 

Será que eles estão cientes das notícias? O que será que pensam sobre a fala do ministro Paulo Guedes em Davos? Será que assistiram ao "Roda Viva"? Será que eles pagam os boletos e fecham o mês no azul ou ignoram solenemente a bancarrota mensal?

Transar todo dia envolve não apenas manter a chama do casal acesa como ignorar todas as mazelas do mundo e, claro, não ter nenhum apego por seriados. Porque a maioria dos mortais vez ou outra troca o sexo por mais um episodiozinho, não é mesmo?

E se a gente colocar tudo isso na balança – os seriados (que são arrastados para se compartimentarem em 10 eternas temporadas), os desmandos do governo (em que cada dia é um flash e um factóide bizarro novo) e as contas da casa que parecem nunca ter fim –, já temos um saldo de alguns dias e noites bem ocupados e, inevitavelmente, sem sexo.

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Num dia é o stress do trabalho, que a gente queria mandar à merda, mas não pode, que nos desvia dos desejos da carne. No outro é a tensão do país polarizado que nos obriga a beber e, ops, nos leva diretamente ao dia seguinte. E assim a vida segue jogando o sexo para um amanhã que, muitas vezes, demora um bocado a chegar. Não é algo exatamente consciente, vai acontecendo – e, assim, nossos corpos ficam mais tensos, mais ariscos, mais tristes. Porque um sexinho gostoso é amor e alegria, né?

Tendo tudo isso em mente, me ocorre que a vida deve ser bem mais fácil para casais que transam todo dia. E não estou falando daqueles que estão no auge da paixão ou naqueles mágicos primeiros dois anos de encontro de almas. Estou falando de gente que está junto há tempos e segue praticando o rala e rola com uma frequência invejável. Ok, talvez não seja todo dia – mas vale a metáfora, da mesma forma que muita gente que diz por aí que transa uma vez por semana e na ponta da lápis não é bem assim. 

Transar muito envolve uma disposição física e uma liberdade mental que não são comuns em tempos de notícias instantâneas, redes sociais e inflação. Transar todo dia talvez envolva até uma certa alienação voluntária, que, hoje, me parece bem conveniente. E claro que não estou falando de viciados em sexo ou gente que pega todos os problemas e joga ali, na cama. Tô aqui no ramo das ideias elucubrando casais leves que transam pra sintonizar, curtir, desopilar. Transam demorado ou rapidinho, quando tem visita em casa ou filme bom na TV. Transam porque o mundo não importa tanto ou, se importa, já está na hora de desligar. Tô falando desses casais que colocam o universo no mute, esteja a lua cheia ou minguante. 

Acho que estou falando desses casais dos filmes, que só existem por aquelas duas horas e nada mais. Casais roteirizados pro cinema onde pode tudo e as crianças nunca choram na hora em que começam a se pegar. Talvez eu esteja falando de um casal em férias, numa ilha deserta onde não tem wifi.

Sobre a autora

Comentarista na CNN Brasil, a jornalista Lia Bock começou a blogar em 2008 no site da revista "TPM", onde foi também editora-chefe. Passou por publicações como "Isto É", "Veja SP" e "TRIP". É autora dos livros "Manual do Mimimi: do casinho ao casamento (ou vice-versa)” e do "Meu primeiro livro", ambos editados pela Companhia das Letras. É mãe de quatro filhos e pode ser encontrada no Instagram @liabock e no Twitter @euliabock

Sobre o blog

Um espaço para pensatas e divagações sobre notícias, sexo, filhos, coração partido, afetações apaixonadas e o que mais parecer importante ao universo feminino.

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