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Lia Bock

Piada com pinto pequeno, pode?

Lia Bock

20/08/2019 04h00

(iStock)

Na semana passada, um áudio que ninguém sabe se é ficção ou vazamento real viralizou no WhatsApp. Nele, uma senhora relata o encontro casual com um homem lindo, mas "sem um pingo de pinto". Verdadeiro ou não, o áudio é engraçado. Mas, a partir do momento em que ele se espalha como poeira ao vento, tira a discussão do zap e das rodinhas em volta de uma cerveja e joga no mundo. 

Nesta hora é preciso se aprofundar um pouco no tema e é aí que a polêmica está formada: fazer piada com pinto pequeno configura algum tipo de infração?

Já adianto que não há consenso na resposta. Mas podemos levantar algumas questões. 

É claro que chacota com o tamanho do pau não se equipara a piadas com negros ou gays, uma delas é crime e a outra está em vias de ser. Mas, se estamos discutindo masculinidade tóxica e tentando quebrar um sistema patriarcal machista ancorado na virilidade masculina, será que esse tipo de piada não nos joga algumas casas para trás?

Não estou aqui dizendo que quem só curte pintos avantajados deva rever suas escolhas. Existem tamanhos para todos os gostos e gostos para todos os tamanhos (acho). Mas evitar homens com pinto pequeno não é a mesma coisa que fazer piada com pinto pequeno. Disseminar um áudio em que um homem que (aparentemente) sofre de micropenia vira piada só faz aumentar a neura com uma questão que fisiologicamente não tem solução. 

Eu, pessoalmente, não gosto de piadas com mulheres que tem a bunda pequena (ou grande) e nem com pessoas gordas. Por isso, me incomoda um pouco esse gargalhar coletivo com o cara "sem um pingo de pinto".

Vejam, sou capaz de chorar de rir se uma amiga me relatar um date que teve com um rapaz pouco dotado, mas quando isso é um áudio pra geral, já não acho tanta graça. 

Todo apontar de dedo com milhares de pessoas gargalhando sobre a condição de outra pessoa me incomoda. 

Algo me diz que, quando caímos nas graças desse tipo de piada, estamos estimulando a pouca tolerância com o diferente e, principalmente, jogando um monte de rapazotes em idade de descobrimento e insegurança numa vala nada confortável e com potencial altíssimo de dar merda. 

Se ensinamos nossos filhos que pinto pequeno é motivo de piada nacional e viralizada, jogamos sobre eles uma tensão sobre o tamanho de seus próprios membros. E esse tipo preocupação não é nada saudável. 

Leia mais:
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> Precisamos ter responsabilidade digital
> As redes sociais e os fins dos casamentos  

Fora isso, pensem nos homens que têm pintos menores do que a média considerada "boa" na semana (mês?) em que o assunto veio à tona de forma jocosa. Entram todos no hall da chacota, da vergonha, do isolamento, do medo, da depressão. 

"Mas então você está dizendo que não podemos fazer piada com mais nada?". Não é isso. O problema não é a piada em si, mas os meios e o potencial viralizador que a internet e as redes sociais criaram. Hoje precisamos ter consciência de que nada mais é "só uma piada". Assim como não é só um nude enviado para o crush online. Tudo que vira troça globalizada deixa de ser só a coisa em si e passa a um outro patamar onde ética digital e integridade psicológica de outras pessoas precisam ser levados em conta. 

Sobre a autora

Comentarista na CNN Brasil, a jornalista Lia Bock começou a blogar em 2008 no site da revista "TPM", onde foi também editora-chefe. Passou por publicações como "Isto É", "Veja SP" e "TRIP". É autora dos livros "Manual do Mimimi: do casinho ao casamento (ou vice-versa)” e do "Meu primeiro livro", ambos editados pela Companhia das Letras. É mãe de quatro filhos e pode ser encontrada no Instagram @liabock e no Twitter @euliabock

Sobre o blog

Um espaço para pensatas e divagações sobre notícias, sexo, filhos, coração partido, afetações apaixonadas e o que mais parecer importante ao universo feminino.

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