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Lia Bock

Com quantas mulheres se humaniza Jair Bolsonaro?

Lia Bock

29/04/2020 16h36

Presidente Jair Bolsonaro na manhã de hoje. Foto: Marcos Corrêa/PR

Depois de mais uma frase infeliz que desrespeita os brasileiros, o presidente Jair Bolsonaro se reuniu com deputados que o apoiam para um café da manhã e colocou todo mundo aglomerado na frente do Palácio da Alvorada e diante dos microfones da imprensa para defendê-lo com afinco e paixão.

Seria apenas mais um dia tentando reverter suas próprias lambanças, não fosse uma diferença que chamou atenção: a quantidade de mulheres e o espaço dado a elas neste glorioso 29 de abril. Estavam presentes e tomaram o microfone Bia Kicis (PSL-DF), Carla Zambelli (PSL-SP), Caroline de Toni (PSL-SC) e Major Fabiana (PSL-RJ). Deputadas apoiadoras do presidente que nunca tiveram muito espaço no palanque nesses pouco mais de um ano e três meses de mandato.

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Geralmente cercado por sua tropa de choque masculina, que inclui seus filhos e homens que também estavam na comitiva defensora desta quarta-feira, Bolsonaro curiosamente botou as mulheres na linha de frente. Por que será?

A resposta, infelizmente, está no machismo do presidente. 

Vejam, a frase proferida ontem a noite – também na frente do Palácio da Alvorada em resposta ao questionamento sobre o número de mortes do Brasil que passou a china – foi de extrema desumanidade: "E daí? Lamento! Sou Messias mas não faço milagre". A afirmação foi desrespeitosa com as pessoas que perderam seus parentes, com os doentes, com os médicos que estão lutando bravamente pelas vidas e com todos os brasileiros que se esforçam para ficar isolados e proteger o coletivo. 

Então, como defender o indefensável? Como dar credibilidade aos argumentos de um homem que parece (ou é?) insensível e indelicado? Chamando quem veio ao mundo para ser gentil e cuidar do ser humano, claro: as mulheres. Esse é o tipo de raciocínio de um tipo de gente que ainda vê os homens como corajosos, guerreiros e bons de economia e mulheres como maternais, ternas e gentis.

Ter essas ilustres senhoras falando o quanto o presidente luta pelo povo brasileiro e como ele é injustamente atacado pela imprensa poderia dar a ele, sim, credibilidade. Afinal, vivemos numa sociedade em que muitos pensam como o presidente. 

É uma pena que as mulheres estejam sendo usadas dessa maneira, que sirvam de escudo protetor de um presidente falastrão e autoritário, reforçando uma posição machista que só traz mulheres para a frente quando lhes é conveniente. 

Mas elas são apoiadoras do presidente e estão ali porque querem, alguns podem dizer. Claro, não estou dizendo que foram forçadas a isso, mas, sim, que curiosamente foram colocas no palanque quando o presidente precisava se humanizar, parecer menos bruto ou frio do que de fato é. 

Deu certo? Não. Bolsonaro estava errado em sua lógica deturpada de gênero, e o que vimos sair da boca dessas mulheres não foi nada gentil e muito menos apaziguador. A mera presença delas não faz milagre, seria preciso que agissem como bastiões da sensatez e da gentileza – e elas não o fizeram. Por um lado, ainda bem, mostraram que podem ser manipuladas só até certo ponto e também que ao lado do presidente estão pessoas (homens ou mulheres) que pensam como ele. Ponto.

Sobre a autora

Comentarista na CNN Brasil, a jornalista Lia Bock começou a blogar em 2008 no site da revista "TPM", onde foi também editora-chefe. Passou por publicações como "Isto É", "Veja SP" e "TRIP". É autora dos livros "Manual do Mimimi: do casinho ao casamento (ou vice-versa)” e do "Meu primeiro livro", ambos editados pela Companhia das Letras. É mãe de quatro filhos e pode ser encontrada no Instagram @liabock e no Twitter @euliabock

Sobre o blog

Um espaço para pensatas e divagações sobre notícias, sexo, filhos, coração partido, afetações apaixonadas e o que mais parecer importante ao universo feminino.

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