Não precisa ser uma pessoa escrota pra fazer escrotice
A gente tem aquela visão de que só as pessoas sacanas fazem sacanagem, mas infelizmente isso não é verdade. Está cheio de gente com bom coração por aí que, em algum momento da vida, escorrega e (ops) faz uma escrotice com alguém.
Ou seja, aquela frase fatídica "fulano é uma boa pessoa, jamais faria isso" não existe. Todo mundo pode ter seu dia ruim, seu mês ou, quiçá, ano ruim e acabar tomando uma atitude que não faz parte do seu dia a dia. Fulano não faria isso – mas fez.
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Por exemplo, tem gente que trai o parceiro ou a parceira com frequência. Transa com outras pessoas, escamoteia nomes nos contatos do celular e se tranca no banheiro pra falar com os contatinhos extraconjugais. Este a gente não hesita em definir como sacana. E tem aquele que nunca traiu na vida, mas num dado momento, por causa de uma crise, vai lá e transa com alguém. Vejam, não é uma pessoa escrota, mas cometeu essa escrotice.
O mesmo acontece com blogueiras naturebas, políticos engomadinhos, policiais bem treinados, professores compreensivos, entregadores prestativos, contadores dedicados e jornalistas responsáveis. Ninguém é por definição uma boa pessoa. Seria mais correto dizer que "estamos cidadãos de bem". Por isso, precisamos observar todas as nossas atitudes e analisar nossos atos mais polêmicos para avaliar se, neste ou naquele ponto, não fomos escrotos com alguém.
Todo mundo é capaz de maldades ou escolhas que desconsideram os outros elementos da equação. Todo mundo é um potencial patife. Por isso, cabe a nós mesmos, todos os dias, lutar contra forças estranhas e extremamente egoístas que nos puxam para esse lado.
E por que isso importa? Importa porque mostra que não existe bem e mal pura e simplesmente. Não existe ser honesto ou altruísta por definição e isso muda tudo, pois nos responsabiliza muito mais por cada um de nossos atos.
E não estou de forma alguma dizendo aqui que quando a pessoa faz uma escrotice ela passa de um lado a outro e, a partir de então, se torna uma pessoa escrota. De jeito nenhum. A última escrotice pela qual eu passei, por exemplo, saiu de uma pessoa extremamente generosa que, num momento estranho e por circunstâncias específicas, não foi nada legal. E eu mesma, no auge da minha juventude, não fui nada bacana com uma pessoa do meu convívio. Me lembro disso muitas vezes desde então – não pra me punir, mas para me mostrar que, sim, eu posso ser uma pessoa sacana e não, eu não quero que isso aconteça nunca mais.
Assumir nossos atos é fundamental pra gente conseguir evoluir, parar de ver o mundo pela lente do simplismo maniqueísta e entender, de uma vez por todas, que pessoas de bem também podem ser más.
Isso faz uma diferença danada na forma que a gente atua no mundo, porque só quem sabe que é possível ferir ou magoar os outros mesmo sendo do bem consegue, de verdade, evitar a maioria das sacanagens que cometeria na vida. Reconhecer que não fomos legais aqui ou ali permite que não fiquemos cegos para a dor alheia ou plenos de uma soberba falsa sobre nossa inabalável índole.
E não é só na relação conjugal que isso acontece. É muito comum no universo corporativo, nas relações de trabalho de forma no geral e até nas amizades ou na vizinhança.
Em tempos de pandemia é bom que isso fique claro. Tem muita gente por aí se achando uma pessoa caridosa e acolhedora sem perceber, virando a esquina, que foi absolutamente sem noção. A vida é um troço complexo e aceitar as incongruências do ser humano nos abre as portas para um mundo melhor.
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