“Tudo tem seu tempo”, a campanha de Damares, começou. Mas proibir funciona?
É claro que a ministra Damares tem a melhor das intenções ao propor a abstinência sexual para barrar a gravidez adolescente – a campanha "Tudo tem seu tempo" entrou oficialmente ontem no ar.
Ninguém duvida da boa vontade de Damares. Porém, táticas antigas de tratar o tema não são necessariamente a forma mais inteligente de lidar com o assunto. Não é à toa que a maioria dos especialistas, gente que trabalha com gravidez adolescente e com educação sexual, é contra a proposta.
O raciocínio é simple: quando colocamos a abstinência para os jovens na mesa criamos um distanciamento entre a proposta e a realidade deles. Sim, porque nas conversas, nas festas e nos zaps da vida o sexo já faz parte. É como se tivéssemos chegado atrasados. Fazemos o papel do tio do pavê, da mãe alienada e do governo perdidão. E isso nos afasta desses jovens, criando um abismo onde deveria haver uma ponte.
E em vez de os jovens se sentirem confortáveis para falar do assunto, para tirarem dúvidas ou contarem suas histórias, eles se calam. É nesse silêncio que mora a gravidez adolescente e também a disseminação de ISTs.
A proposta por abstinência não leva em conta a vida dos jovens, o que eles pensam ou fazem, e isso quebra a possibilidade de diálogo, fundamental para criar consciência e mudar o cenário atual. Ela nos leva ao mesmo distanciamento que todas as proibições que experimentamos até hoje – e vimos falhar de forma retumbante.
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Lembro aqui do caso da menina que foi privada de informações sexuais, assim como de poder dormir com o namorado. Ela chegou a ser trancada quando ele teve que dormir em sua casa. O que aconteceu? Ela engravidou. Esse é só um exemplo isolado de uma realidade cruel. Não só porque ela foi poupada de informações e acabou engravidando, mas também porque foi expulsa de casa e culpada por não saber, por não se prevenir e, claro, por transar.
Precisamos ter em mente que a culpa não tem funcionado como tática de evitar gravidez. Criar um ambiente de proibição onde o sexo não é recomendado já se mostrou uma proposta falha. A pergunta que fica é: o que mais nós vamos fazer?
A campanha que Damares anuncia como sendo muito inovadora usa argumentos que vêm sendo utilizados há tempos e já se mostraram ineficientes.
A guerra ao sexo, que pode vir disfarçada de preceito religioso ou de proposta de abstinência programada, não evita gravidez – ela evita diálogo, e a falta deste favorece a desinformação que consequentemente leva a mais gravidez adolescente.
E não estou dizendo aqui que devemos sair falando de sexo com jovens de qualquer idade. Mas imagine uma menina de 17 anos que já não é mais virgem e fala de namoro e sexo com as amigas com frequência escutando que adiar o começo da vida sexual é boa opção? Ou então que talvez seja melhor não transar até que se sinta madura e responsável? Você acham que ela vai prestar atenção nesta conversa ou fechar os ouvidos? Vocês acham que, de repente, ela vai dizer "nossa, como não pensei nisso antes, melhor só transar depois do casamento" ou levar o assunto um pouco mais para o submundo e seguir a vida que ela já escolheu?
Nós sabemos que o sonho de muita gente é que as mulheres só percam a virgindade com o marido, depois do matrimônio formal, mas não podemos deixar essa vontade se sobrepor à realidade em que vivemos, na qual o Brasil é um dos países onde se perde a virgindade mais cedo e onde o índice de gravidez adolescente está acima da média da América Latina e é taxado de "inaceitável" pela ONU.
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