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Lia Bock

Tenham medo de companheiros violentos, e não vergonha do tapa recebido

Lia Bock

08/10/2019 04h00

(iStock)

Na home deste portal mais uma notícia de mulher assassinada pelo companheiro. Uma frase da mãe da vítima chama a atenção: "Ela apanhava, mas quis poupar a gente". Ao que parece, Luciene Ferreira Sena enfrentava questões com o companheiro, mas não dividiu isso com família ou com amigos. 

É claro que dá pra entender uma mulher que esconde a violência doméstica. Apanhar do marido é motivo de vergonha, diminui a gente. Mas muito mais terrível que apanhar é morrer. E, infelizmente, o fim da linha de mulheres que apanham, mesmo que "de leve", ou "só quando ele está muito puto", ou "só quando está bêbado", é a morte.

Precisamos entender que homens que batem hoje matam ali adiante. E não só: homens que agridem verbalmente, de forma feroz, e homens que ameaçam também. 

É por isso que temos que lutar contra essa vergonha e pedir ajuda. Precisamos entender que a mão que dá um tapa é a que puxa o gatilho e, sim, de onde sai a ameaça "se você for embora, vai se ver comigo" saem também a violência e o assassinato. 

O silêncio da nossa vergonha favorece o crime que nos mata.

Os dados mostram que a violência contra a mulher no Brasil é uma epidemia. Somos o quinto país com mais feminicídios no mundo. E oito em cada dez casos desses crimes ocorrem dentro de casa. 

É por isso que hoje eu estou aqui pra falar de vergonha.

Vergonha deve ter quem agride e ameaça uma mulher que quer por fim ao relacionamento. Vergonha devem ter os agentes da lei que não acolhem bem a mulher agredida. A vítima jamais deveria se apropriar desse sentimento porque não é ela quem controla ou agrava a situação. Vergonha a gente deve deixar para sentir de algo que a gente fez. E apanhar jamais pode ser colocado sobre nossa responsabilidade. 

E daí entramos em um outro ponto importante: quando comentar? Quando expor a nossa intimidade? Ao meu ver, tudo que cai na vala das agressões deve ser exposto, primeiramente aos amigos e familiares e, na sequência, se necessário, às autoridades legais. 

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O cara te xinga horrores quando vocês discutem? Te arrasta pelo braço em qualquer situação? Faz ameaças de qualquer ordem se você traz o assunto "fim da relação" para a mesa? Respire fundo e divida o problema com pessoas próximas. E não falo isso em tom de denúncia porque acredito que muitas coisas podem ser revertidas com conversa, terapia de casal e conscientização masculina. Mas é preciso tentar. É preciso procurar ajuda.

Um segundo passo, aí sim já mais sério, é quando essa primeira etapa não funciona. E, principalmente, quando as agressões aumentam por causa da tentativa de mudar a dinâmica. Gente, isso é muito sério.

O cara que agride e não quer mudar, que ameaça e não quer nem ouvir falar em evoluir como casal, esse sujeito é, sim, um potencial assassino. E é aí que saímos da instância da ajuda para a das consequências legais. 

Não se arrisque por vergonha. Não proteja um sujeito que ali na frente vai atear fogo em você. Homens matam companheiras e ex-companheiras aos montes e, sim, isso pode acontecer com a gente. Principalmente se os indícios indicam o caminho da violência. 

Claro que um homem pode matar uma mulher sem aviso prévio, mas o que vemos nos casos atuais é que indícios sempre são dados e, muitas vezes, são encobertos pela vergonha que a vítima sente. A vergonha que cala. A vergonha que esconde o tapa recebido. A vergonha que minimiza as ameaças e os xingamentos. E que fique claro: xingamento é agressão e, como eu já disse neste blog, ele é a porta de entrada para "drogas mais pesadas". O cara que te chama de "vagabunda, filha de uma puta" hoje é o que dá uma porrada amanhã e é o mesmo que, ali adiante, parte pra cima com uma arma. 

Fiquei muito impactada com o silêncio de Luciene. E peço, tenham medo, não vergonha! 

Para seguir:
Instagram: @liabock
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Sobre a autora

Comentarista na CNN Brasil, a jornalista Lia Bock começou a blogar em 2008 no site da revista "TPM", onde foi também editora-chefe. Passou por publicações como "Isto É", "Veja SP" e "TRIP". É autora dos livros "Manual do Mimimi: do casinho ao casamento (ou vice-versa)” e do "Meu primeiro livro", ambos editados pela Companhia das Letras. É mãe de quatro filhos e pode ser encontrada no Instagram @liabock e no Twitter @euliabock

Sobre o blog

Um espaço para pensatas e divagações sobre notícias, sexo, filhos, coração partido, afetações apaixonadas e o que mais parecer importante ao universo feminino.

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