Assistir aos jogos da seleção feminina de futebol é um ato político
Se a prática de assistir aos jogos da seleção masculina de futebol pode ser analisada como uma alienação dos reais problemas do país, ligar a TV no domingo às 10h30 da manhã para ver as meninas representarem o Brasil na França é um ato que representa o exato oposto desse cenário.
Deixar de lado a (tradicional) preguiça de acompanhar os jogos femininos e botar a vuvuzela na janela é uma atitude política no que diz respeito à luta pela igualdade de gênero, no esporte e fora dele.
Este é o primeiro ano em que os jogos serão transmitidos ao vivo pela TV aberta. Band e Globo chamaram pra si essa responsa e parecem ter entrado de cabeça no que deve ser a virada de anos de diminuição e exclusão.
Não é segredo pra ninguém que mesmo tendo seis títulos de melhor do mundo, Marta não tem o tratamento e nem o salário de jogadores que, muitas vezes, nunca trouxeram um premiozinho pra casa.
Também vale lembrar que entre 1941 e 1983 o esporte foi proibido para mulheres. Foram longos 41 anos de escanteamento com justificativa torpe. O Decreto-Lei 3199 imposto durante o governo de Getúlio Vargas trazia o artigo 54, que dizia que "as mulheres estavam proibidas de praticar qualquer esporte que fosse contra sua natureza". Não especificava as modalidades, mas era óbvio que o futebol, já muito popular na época, estava entre eles. Isso porque modalidades consideradas violentas ou de impacto poderiam causar infertilidade e, na visão daquela sociedade patriarcal, a mulher servia mesmo era pra reproduzir.
Claro que quando o esporte voltou à luz da permissão social as mulheres tinham 41 anos de atraso e, vejam, não foi porque um decreto dizia que a partir de então elas poderiam jogar que todo mundo aceitou que suas filhas treinassem. A primeira, a segunda, talvez até a terceira geração de meninas que queriam ser boleiras foram duramente reprimidas. Muitas tiveram que romper com a família para seguir o sonho. Outras foram vetadas nas escolinhas onde só tinha menino.
E é claro que neste cenário não se valorizavam as jogadoras profissionais. Por lei, elas podiam trabalhar, mas a sociedade não via com bons olhos, a televisão não transmitia e as marcas não patrocinavam. Ou seja, era uma proibição velada.
É por isso que 2019 é um ano tão importante. Projetos de marcas já tradicionais patrocinadoras do futebol masculino estão colocando dinheiro e energia nas categorias de base. E a TV vai transmitir com pompa.
E voltando ao motivo deste texto: a nossa parte, como espectadores e país do futebol, é ligar a televisão, vibrar, fazer barulho, twittar e comentar nas mesas de bar. É dar a importância que nunca demos e, daqui em diante, fazer essa reparação histórica.
Aprender quem são as jogadoras e curtir o estilo de jogo feminino vai ser um exercício (importante) e terá um grande impacto não só no que diz respeito ao futebol feminino, mas à igualdade de gênero tão maltratada por nossos conterrâneos.
Não somos chocadeiras e nem temos habilidade nata para cuidar da casa e da família. Fomos treinadas pra isso e agora estamos exercitando outras habilidades. Jogamos bola, lideramos equipes, entedemos de economia e tecnologia. Somos cientistas, árbitras, alterofilistas, boxeadoras e o que mais desejarmos.
Basta dedicação, investimento, aceitação e respeito social. A partir de amanhã (7 de junho) e até a final (7 de julho) ligue a TV, assista aos jogos do Brasil e também aos outros e repita o mantra: lugar de mulher é onde ela quiser.
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