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Lia Bock

O "transar ou não no primeiro encontro" deu lugar a um problema novo

Lia Bock

21/05/2019 04h10

(iStock)

Há cerca de 20 (30?) anos era comum a discussão sobre transar no primeiro encontro – estamos falando das mulheres, claro. Porque para os homens isso nunca foi um problema. As revistas versavam sobre a questão, empurravam as minas e as manas para a independência, enquanto em entrevistas, rapazes "de família" ponderavam que talvez isso não fosse uma boa ideia.

Pois bem. Estamos em 2019 e antes que andemos pra trás, vale frisar um ponto: a discussão sobre transar no primeiro encontro deu lugar para dormir junto no primeiro encontro.

Em tempos de aplicativos de paquera e empoderamento de quem não deve nada a ninguém é a intimidade no primeiro encontro, o dormir lado a lado, o ouvir o ronco, o acordar com cara amassada que incomoda as mulheres. Há quem diga que dormir junto é coisa pra casal apaixonado e que isso leva ao menos uns 5 (ou 15?) encontros.

Preciso confessar: eu adoro essa discussão. Adoro ver as mulheres separando amor de sexo. Claro que colocar o dormir junto na casinha do amor pode ser um pouco de exagero. Tem muita gente que dorme junto por preguiça de ir embora na madrugada ou que acha que dormir uma noite coladinho enriquece a alma e levanta o astral, mas o que importa aqui é exatamente o paradigma que tira o sexo da discussão.

Vivi para ver o dia em que transar no primeiro encontro não seria mais o eixo da problematização.

Pois voltemos a esta noite onde desconhecidos se conectam, trocam beijos, amassos, fluidos e energia vital mas recuam na hora de se entregar ao sono dos justos. Os incômodos da geração hiperconectada não estão na carne ou na pele e sim na intimidade.

Para quem vive grande parte da vida nas (assépticas) redes sociais, detalhes como escovar os dentes, acordar com bafo, desmontado e com aquele mau humorzinho matinal é que pegam. Não seria exagero dizer que a vida em rede virtual tem nos tornado seres estranhos. Ao mesmo tempo que mostramos nossa vida, nossa casa, nossas férias, nossas questões no Instagram, nos Stories e no Tik Tok, recuamos quando, face a face, nos tornamos totalmente humanos. Com cheiro, sem edição e sem filtro; ou seja, sem controle prévio. Estamos tão acostumados a controlar o que queremos mostrar de nós que quando nos deparamos com nossa humanidade em tempo real somos cobertos por um incômodo tremendo.

Alguns podem dizer: "ah, mas não é isso. É que eu gosto de dormir na minha cama". "É porque não gosto do cheiro do travesseiro dos outros" ou "gosto de acordar sozinha". Entendo. Tudo isso pode ser verdade, mas nada me tira da cabeça que a criação desse "eu" tão rodeado de manias e especificidades tem muito a ver com a vida meio virtual, meio calabresa que levamos hoje. Nos acostumamos com poder selecionar o que queremos mostrar de nós e, ao vivo, a dois, no tête-à-tête, isso é impossível.

Alguns podem discordar da minha teoria, mas a verdade é que enquanto a discussão não devolver as mulheres para debaixo da asa do marido, do pai ou de qualquer outro homem a quem deva submissão e obediência, está tudo maravilhoso.

 

Sobre a autora

Comentarista na CNN Brasil, a jornalista Lia Bock começou a blogar em 2008 no site da revista "TPM", onde foi também editora-chefe. Passou por publicações como "Isto É", "Veja SP" e "TRIP". É autora dos livros "Manual do Mimimi: do casinho ao casamento (ou vice-versa)” e do "Meu primeiro livro", ambos editados pela Companhia das Letras. É mãe de quatro filhos e pode ser encontrada no Instagram @liabock e no Twitter @euliabock

Sobre o blog

Um espaço para pensatas e divagações sobre notícias, sexo, filhos, coração partido, afetações apaixonadas e o que mais parecer importante ao universo feminino.

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