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Lia Bock

Comparar Arena Corinthians com mulher HIV positivo: quantos erros há aqui?

Lia Bock

28/02/2019 05h00

(iStock)

Essa semana vimos Luis Paulo Rosemberg, importante diretor do Corinthians, deixar o cargo depois de comparar o estádio do time, o Itaquerão, a uma "esposa perfeita, com dotes culinários, formada com MBA no exterior, uma mãe de filhos maravilhosos, mas parece que tem um teste de Aids positivo". Quanta infelicidade.

Ao tentar dizer que o estádio parece perfeitinho mas é na verdade um mico, Luis ofendeu as mulheres, os dotes culinários, o MBA no exterior e, claro, as pessoas HIV positivas.

É tanto problema que nem sei por onde começar. Talvez o melhor seja pelos ensinamentos.

Sim, o senhor Luis nos deu uma aula sobre objetificação quando comparou a mulher a um objeto, no caso um edifício, e desenhou a questão pra quem não entende a expressão "objetificar". Quando você compara uma mulher a algo inanimado, seja um carro, uma cerveja ou um estádio lhe dando o status de coisa e, por mais que se ame a coisa em questão, termina por diminuir  a mulher retirando dela o título de ser humano.

O segundo problema está em usar uma doença para tombar as mais nobres qualidades de uma pessoa. Usar o HIV, então, foi uma escolha pra lá de infeliz. Porque é totalmente possível continuar sendo maravilhosa depois de diagnosticada como soropositiva. A medicina evoluiu e existem tratamentos, inclusive gratuitos, de primeira linha que possibilitam uma vida longa e com qualidade para quem é diagnosticado com o vírus. Se a ideia era derrubar os créditos dessa dita mulher irretocável seria melhor ter usado algum tipo de câncer agressivo. Mas claro que Luis jamais faria uma brincadeira de mau gosto como essa, não é mesmo? Ops, mas com o HIV pode?

O terceiro problema está no conceito de "esposa perfeita". Senhor Luis, não adianta pegar o seu padrão com cara de anos 20, tacar um MBA no meio e achar que está abafando na modernidade. Dá próxima vez que quiser nos objetificar tente uma coisa mais ousada: que tal CEO de uma multinacional, dona de uma rede de alimentos naturais ou então chef com estrela Michelin? A expressão "dotes culinários" entrega sua idade (contém ironia) e lembra nossas avós às quais não foi dada outra opção que não aprender a cozinhar para arrumar um bom marido.

Santa ignorância. Metade da população brasileira objetificada e uma doença tratada como escória. Bem vindos a 1920.

 

Sobre a autora

Comentarista na CNN Brasil, a jornalista Lia Bock começou a blogar em 2008 no site da revista "TPM", onde foi também editora-chefe. Passou por publicações como "Isto É", "Veja SP" e "TRIP". É autora dos livros "Manual do Mimimi: do casinho ao casamento (ou vice-versa)” e do "Meu primeiro livro", ambos editados pela Companhia das Letras. É mãe de quatro filhos e pode ser encontrada no Instagram @liabock e no Twitter @euliabock

Sobre o blog

Um espaço para pensatas e divagações sobre notícias, sexo, filhos, coração partido, afetações apaixonadas e o que mais parecer importante ao universo feminino.

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