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Lia Bock

A vaia a Freddie Mercury e a vergonha de ser heterossexual neste momento

Lia Bock

06/11/2018 10h35

Selo inglês comemorativo com a imagem de Freddie Mercury no palco

Fico me perguntando que tipo de gente vaia cenas gays no cinema. Pior, cenas gays de um dos maiores astros da música. Um cantor que na década de 70 precisou esconder a homossexualidade de uma sociedade preconceituosa e de uma família religiosa. Um cantor que atingiu o sucesso fingindo ser o que não era e depois de sua morte serviu de 'exemplo' para os conservadores taxarem a comunidade gay de pervertida e doente.

O filme (considerado abaixo da média para a maioria da crítica) se passa na década de 1980, mas é preciso avisar aos espectadores que nós aqui deste lado da tela estamos em 2018.

A primeira coisa que tenho vontade de fazer é pedir desculpas ao cantor em si: "Os perdoe Freddie, eles não sabem o que fazem". A segunda, é pedir desculpas a todos os gays e lésbicas em nome de heterossexuais mal intencionados. Sim, porque eu me envergonho de ser hétero e estar, por um instante que seja, ao lado de gente que faz esse tipo de coisa.

Muita gente diz: "se não queriam ver cena gay, por que foram assistir este filme?" Mas não acho que seja essa a questão. Pessoas que não gostam de ver cenas gays já foram diversas vezes surpreendidas no cinema e se mantiveram em silêncio. A pergunta é: por que agora elas acham bonito soltar a vaia que estava na garganta?

Claro que isso tem a ver com o presidente eleito e a horda de preconceituosos que saiu do armário nos últimos tempos – há gente por aí batendo no peito pra dizer "sou fascista mesmo" como se agora, pudesse, enfim, se assumir.

Pois é, de repente virou 'ok' se revelar homofóbico, como se negar este lado estivesse muito difícil até agora e, eis que chega 2018, e todo aquele sentimento de nojo reprimido pode ser descortinado, ufa – só que não.

Sinto avisar que jamais vai ser legal ser fascista ou homofóbico. E essa bolha onde isso está sendo visto como "normal" vai na contramão do que tem acontecido nos países de primeiro mundo que tanto admiramos (dentre os quais, claro, não estão os  Estados Unidos). Não é exagero dizer que vai na contramão também da evolução humana. E sim, é uma bolha. Fora dela as pessoas continuam se amando e respeitando qualquer forma de amor. Fora dela o mundo segue se abrindo para as nuances de gênero e dando um jeito de colocar todo mundo em pé de igualdade.

Pode ser difícil para alguns entender, mas muita coisa aconteceu desde que Freddie largou a mulher porque, na verdade, gostava de rapazes e isso não tem volta. Ainda bem. Não há armário capaz de engolir os gays, trans e as justas leis que permitem casamento e mudança de nome. Assim como também não há armário capaz de engolir os cabelos crespos e poderosamente armados. Pessoas, leis, modos novos de vida e de amor existem e não há nada que se possa fazer a não ser respeitar.

O mundo mudou, evoluiu e não há meios de voltarmos a ser como antes. A vaia não vai inibir Freddie Mercury, nem os filmes e beijos gays. A vaia não vai inibir Daniela Mercury, Nanda Costa, nem Fernanda Gentil ou qualquer outra que se assuma gay. A vaia só vai fortificar e mostrar o quão ridículo é o desrespeito dos que batem o pé no atraso.

O que estamos vendo é o último suspiro de um conservadorismo moribundo que pode até vencer nas urnas, mas jamais calará a arte, o amor e a diversidade humana.

 

 

Sobre a autora

Comentarista na CNN Brasil, a jornalista Lia Bock começou a blogar em 2008 no site da revista "TPM", onde foi também editora-chefe. Passou por publicações como "Isto É", "Veja SP" e "TRIP". É autora dos livros "Manual do Mimimi: do casinho ao casamento (ou vice-versa)” e do "Meu primeiro livro", ambos editados pela Companhia das Letras. É mãe de quatro filhos e pode ser encontrada no Instagram @liabock e no Twitter @euliabock

Sobre o blog

Um espaço para pensatas e divagações sobre notícias, sexo, filhos, coração partido, afetações apaixonadas e o que mais parecer importante ao universo feminino.

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