Repouso é o ostracismo da maternidade
Gestar uma criança é uma coisa maravilhosa. Fazer um cérebro, pés, mãos, aparelho reprodutor… é realmente mágico. Sentir o bebê mexer e lembrar, "puts, tem uma pessoa dentro da minha pessoa", é algo biologicamente contundente. No meu caso é tudo em dobro, porque são duas bebês.
A gentileza das pessoas para com as mulheres grávidas é sedutora e com certeza mostra o melhor lado dos seres humanos. No metrô, no mercado, no Poupa Tempo ou no aeroporto, sorrisos se abrem, cadeiras aparecem, copos d'água surgem do nada. Até a fila do banheiro, este lugar inóspito, é gentil com as gestantes.
Tudo parece mágico e doce. Até o médico proferir a frase nefasta: "você precisa fazer repouso". O repouso está para as grávidas assim como a kriptonita está para o Super-Homem. De longe, parece uma hipnotizante e linda joia. De perto, é um ímã da energia vital. Pois bem, assim é o repouso. Todo mundo acha que você é uma pessoa a ser invejada, que vai assistir todos os seriados trashes da Netflix e ficar livre das amarras da vida real. Mas na verdade, você é uma prisioneira da horizontal e a kriptonita de si mesma. Sim, porque se você quiser burlar o repouso, você burla e depois arde no inferno do peso na consciência.
O que há nos dias (meses!!) de repouso é muito trabalho com o laptop no colo, muito choro com qualquer videozinho emotivo, muita pesquisa com a palavra "prematuro" no Google e claro, um esquecimento total por parte da sociedade lá fora. Na verdade, não é total, porque as pessoas seguem mandando WhatsApp: "vc tá bem? Quantas semanas? Vou passar aí". Mentira, nunca passam. Mas as mensagem sempre chegam.
O repouso é o ostracismo da maternidade. Você existe, mas só um mini núcleo duro que assinou mentalmente a papelada "na saúde e na doença" parece se dar conta disso.
Os dias passam devagar e se você não é o tipo de animal em extinção contratada com carteira assinada, o dinheiro rareia numa curva inversamente proporcional às compras online. Sim, porque ninguém é de ferro e, infelizmente, dá pra fazer shopping terapia deitada na cama. E é muito louco como grávida a gente tem a certeza que precisa de algumas coisas de utilidade seriamente duvidosas.
Fora os comentários motivadores dos filhos mais velhos. Coisas fofas como: "seu umbigo está horroroso" e "você não tira mais o pijama?". Meu umbigo está deformado porque um dia fui uma linda jovem com um piercing brilhante nele e não, isso não é pijama, chama roupa de grávida mesmo. Aliás, os filhos são uma questão interessante no repouso: faz o quê com eles, gente? Nem a explicação mais pedagógica dá conta de que ele entendam as limitações da mãe.
Outra questão do repouso são as redes sociais. Largada entre a cama o sofá e o wifi é impossível não se viciar no Instagram, aquele lugar onde todo mundo parece feliz, pleno, calmo e está sempre em lugares maravilhosos. Aquele mundo onde as crianças (alheias) são sempre fofas, educadas e amorosas, ali onde os looks são arrasadores e os drinks e baladas fazem salivar. Uma injeção de depressão efetiva para quem está "de pijama", com a respiração difícil e sem sair de casa há semanas.
Eu sei que quando as bebês nascerem vai até bater uma saudade de não ter ninguém por perto – porque bebê todo mundo quer ver, quer pegar, visitar e dar pitaco sobre como amamentar, colocar pra dormir ou arrotar. Sei que vai passar e que em breve, serei uma mãe de quatro filhos louca por alguns momentos de silêncio e paz. Mas o repouso, gente… o repouso… não desejo esta clausura chocadeira nem aos meus mais profundos inimigos.
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