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Lia Bock

De quem é a culpa do aumento no número de estupros?

Lia Bock

06/06/2018 04h00

(iStock)

Muita gente insiste na ideia de que não existe a "cultura do estupro". O principal argumento dessa turma é que a expressão é um delírio feminista. Os críticos afirmam que é incorreta a lógica de apontar outras atitudes, que não o estupro em si, como possíveis influenciadoras de estupros. Mesmo que esses fatos denigram, rebaixem e desrespeitem as mulheres.

Será?

Pois este é um bom momento para refletirmos sobre isso. Acabaram de sair os dados do Atlas da Violência de 2018 (Ipea) e nele nos deparamos com a informação de que as notificações de estupro praticamente dobraram em cinco anos. Claro que isso tem a ver com o aumento das notificações, mas assusta também saber que ainda é um dado muito abaixo do que realmente acontece. Assusta também o fato de que 51% das vítimas terem até 13 anos e 17%, entre 14 e 17.

Estamos falando de um comportamento endêmico e que ataca principalmente nossas crianças. E, pior, se os pesquisadores estiverem certos e este dado corresponder a apenas 10% do total de casos, estamos falando de uma tendência (na sua pior forma) e, por que não, de uma cultura.

Quando os pesquisadores falam em 300 mil estupros por ano (por baixo), estamos lidando com um espectro de mais de 800 estupros por dia. E um dado como esse não pode ser atribuído ao comportamento de alguns deturpados. É muito mais do que isso.

Diante dos dados, precisamos lidar com o fato de que vivemos em uma sociedade que favorece este comportamento. Que não pune, que não mostra o quão grave isso é e, muito provavelmente, que lida com isso como se fosse algo normal. Mais uma vez: cultura.

E o que é lidar com isso como se fosse algo normal?

É cantar coisas que normalizem estes comportamentos ("Mexeu com o R7 vai voltar com a xota ardendo" e afins). É um juiz (e toda a população) questionar a vítima sobre a roupa que ela estava usando quando foi estuprada. É crianças acharem bacaninha no jogo verdade ou desafio o tal desafio ser sarrar as meninas durante o recreio. É Youtubers (maioria de pequeno porte) exibirem essas sarradas livremente em seus canais e receberem vários likes.

Precisamos encarar o fato de que o estupro é uma doença que se alastra e, queiram alguns ou não, ele está imerso numa cultura que minimiza pequenos atos de violência e com isso acaba por normalizar o "inormalizavel".

Cultura do estupro é tudo aquilo que (mesmo sem querer) acaba protegendo este tipo de violência. Protegendo no sentido de camuflar, de amortizar. E sim, você pode nunca ter estuprado ninguém e estar difundindo (ou protegendo) estes atos.

Este índice de estupro é um problema nosso enquanto sociedade. Lidemos com isso antes de apontar o dedo ou dizer de quem é a culpa. A culpa é nossa.

 

 

 

 

 

Sobre a autora

Comentarista na CNN Brasil, a jornalista Lia Bock começou a blogar em 2008 no site da revista "TPM", onde foi também editora-chefe. Passou por publicações como "Isto É", "Veja SP" e "TRIP". É autora dos livros "Manual do Mimimi: do casinho ao casamento (ou vice-versa)” e do "Meu primeiro livro", ambos editados pela Companhia das Letras. É mãe de quatro filhos e pode ser encontrada no Instagram @liabock e no Twitter @euliabock

Sobre o blog

Um espaço para pensatas e divagações sobre notícias, sexo, filhos, coração partido, afetações apaixonadas e o que mais parecer importante ao universo feminino.

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