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Lia Bock

Você gosta de viver numa sociedade machista?

Lia Bock

13/10/2017 08h00

Menino ou menina? Não importa! (iStock)

Porque os homens abririam mão de privilégios para deixar de viver numa sociedade machista? Este lugar parece tão aconchegante e quentinho. Aqui, eles têm poder, são servidos e usufruem de regalias. Realmente, pedir que abram mão de tudo isso, soa quase como uma afronta. É praticamente como querer que os políticos de Brasília acabem com o seu próprio foro privilegiado. Só os muito honestos, lúcidos e íntegros são capazes.

Pois bem, quem aí tem a honestidade de assumir que têm privilégios e abrir mão deles? Quem aí está pronto para ensinar os filhos que corpos diferentes não significa direitos diferentes e partir para uma nova era em que o machismo estará apenas nos livros de história?

Não é à toa que a luta por igualdade de gênero é árdua. É como tentar convencer o rei que é melhor não ter rei.

Sei que já convencemos muitos sujeitos de boa índole que a igualdade é legal. Mas, de forma geral, ainda temos muito a fazer. Enquanto tiver mulher dizendo que "assim está bom", veremos uma estrada sem fim à frente.

E como é que a gente consegue ser tão bom em regar esse machismo que nos cerca? Começa com a mamadeira azul, passa por frisar que Frozen é um filme de menina, depois por proibir as bonecas e, claro, quando o menino chorar dizer "parece uma menininha". Pronto. Isso já é meio caminho andado para que nossos filhos (e filhas) cresçam achando que o mundo realmente se divide por gênero.

Usar expressões preconceituosas quando eles já estão mais crescidinhos também faz com que criem uma visão machista do mundo. Quando a pesquisa da Skol saiu essa semana e mostrou que 92% dos entrevistados já escutaram a frase "mulher tem que se dar ao respeito", vemos mais uma etapa da receita para uma sociedade desigual. Homem não tem que dar ao respeito? Não. O que a gente fala pros nossos filhos vai mais na linha do: "homem é assim mesmo", perdoando e justificando traições, por exemplo. Privilégios.

Pois se criar filho (e filha) machista a gente já sabe, pergunto: como faz para criar essas crianças pensando os seres humanos de forma igualitária? Como faz pra os caras não acharem que as mulheres "tem que se dar ao respeito", lavar a louça, cuidar da logística da casa e, muitas vezes, obedecer?

A resposta é tão simples que parece até mentira: a gente para de reproduzir comportamentos como os citados acima. A gente para de regar! Compra, sim, boneca pros meninos, deixa eles chorarem em paz, e o meu preferido: a gente brinca de casinha com eles. Vou escrever o óbvio, mas acho necessário: só dá pra acabar com o machismo se a gente parar de tratar meninos e meninas de forma diferente e se a gente parar de achar justificativa pra isso – contrariando pesquisas e especialistas no geral.

Claro que temos que respeitar as particularidades e gostos de cada criança, mas ensinar que lavar a louça é tarefa dos habitantes da casa (não das mulheres) é um bom começo. Parar de frisar que isso ou aquilo é pra menino ou menina é o básico. Questionar as escolas que insistem nessas divisões por gênero é outra briga boa e civilizatória.

Mas não é porque a resposta é simples, que fazer tudo isso é fácil. Não é. Estamos enterrados até o pescoço em comportamentos machistas e sair dessa lama é um sacrifício diário. Mas o mais importante é querer sair!

E daí eu volto ao questionamento inicial: quem aí topa abrir mão de privilégios para viver numa sociedade igualitária?

Sobre a autora

Comentarista na CNN Brasil, a jornalista Lia Bock começou a blogar em 2008 no site da revista "TPM", onde foi também editora-chefe. Passou por publicações como "Isto É", "Veja SP" e "TRIP". É autora dos livros "Manual do Mimimi: do casinho ao casamento (ou vice-versa)” e do "Meu primeiro livro", ambos editados pela Companhia das Letras. É mãe de quatro filhos e pode ser encontrada no Instagram @liabock e no Twitter @euliabock

Sobre o blog

Um espaço para pensatas e divagações sobre notícias, sexo, filhos, coração partido, afetações apaixonadas e o que mais parecer importante ao universo feminino.

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