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Lia Bock

Carta aberta de um vibrador aos homens heterossexuais

Lia Bock

22/08/2017 04h00

(Foto: Getty Images)

 

Oi.

Eu sou um vibrador. Vim aqui para dar uma palavrinha com vocês, homens heterossexuais que têm dificuldade de lidar com a minha existência.

Brother, eu tenho quase 150 anos e nunca quis disputar espaço com ser humano nenhum. Já fui aparato médico usado em consultório, sofri com o ostracismo quando caretearam a sociedade com valores religiosos e românticos demais, ganhei novos formatos e hoje sou até peça de museu. Sou vivido. Não tô aqui pra roubar a mina de ninguém. Na verdade, fui criado pra ajudar vocês. Tô há décadas tentando fazer amizade.

Você conhece a minha história? Quem sabe se ficar por dentro da minha trajetória, você sinta empatia e até carinho por mim.

Quando inventaram uma doença chamada histeria, uma espécie de disfunção uterina da mulher (nada mais que desejo sexual mal canalizado, mas enfim…), os médicos colocaram em prática um tratamento que consistia numa massagem clitoriana. A mulher atingia um ápice em gritos (amo!) e ficava mais calma. Bom, os consultórios começaram a ficar lotados – isso lá em idos do século 19 – e os médicos começaram a ter problemas nas mãos (não vale rir), já que muitas mulheres demoravam horas para serem libertadas do tal mal.

Foi aí que meu pai, gênio, entrou em cena: o Doutor George Taylor patenteou, em 1869, o primeiro modelo de vibrador. 'The manipulator', como era chamado o primogênito, fez com que as mulheres atingissem o orgasmo em menos tempo. Isso otimizou o atendimento nos consultórios e acabou com a tendinite dos doutores.

Os sucessores começaram a ser menores e usar tecnologia mais avançada. Mas o que importa é que, um dia, a histeria saiu da lista de doenças (óbvio) e nós, vibradores, passamos a ser um objeto caseiro. Foi incrível. Praticamente como sair do orfanato e ser adotado por uma família. Levamos mulheres ao orgasmo com determinação e precisão por alguns anos.

Até que começamos a ganhar independência e passamos a sair de casa. Entramos em cena nos filmes pornôs. No começo foi lindo e seria uma maravilha se junto com esse avanço não tivesse vindo uma onda de caretice que nos relegou a cenários fetichistas. Em questão de meses (não tinha internet, se não teria sido um dia) viramos coisa de vagabunda. 'Gente! Deve haver algum engano, nosso pai é médico, fomos criados para salvar pessoas', gritamos sem efeito. Foi um linchamento coletivo, um horror.

Passamos quase o século 20 todo escondidos em sex shops escuros até que na mão de feministas começamos a voltar para as gavetinhas de criado-mudo (aliás, eu odeio esse nome). Alguns designers também nos adotaram e fizeram de nós verdadeiras peças de arte. Nunca fomos tão bonitos, maleáveis e funcionais. Modéstia a parte, sou gato pra caralho. Ops, pra boceta, xoxota ou cuzinho, não tenho preconceito, tá? Sou de todxs!

Até o Flash tem inveja da velocidade com que faço uma mulher chegar ao orgasmo. Sim, tô me gabando. Mas não pra me opor a você, mano. Quero ser seu parceiro! Sabe sororidade? Vamos pegar essa barca também? Trabalhar juntos pra fazer a gata feliz. Isso não faz do seu pau um órgão ineficiente. Seja mais autoconfiante! Eu não tenho nenhum problema com pau. Aliás, eu e ele juntos fazemos uma dupla imbatível, já tentou? A gata de 4, eu no clitóris, você por trás… Bicho, ela vai gozar como nunca antes.

Mas se você quiser exclusividade do gozo (eu te entendo), me pega com jeitinho e faz você uma preliminar pontual nela. Depois entra com tudo e seja feliz. Pode ser que nas primeiras vezes você fique sem graça, mas rapidinho pega o jeito. Eu nasci pra isso, não se esqueça.

E se você não se der bem comigo? E se não conseguir me usar? Calma. Respira. Tenta outros modelos. Tenho uns irmãos pequenininhos só pra tremilicar o clitóris que são tão discretos quanto infalíveis. E se você não estiver sabendo me manipular, pede pra gata fazer, e lambe ela inteira enquanto estou em ação.

Cara, eu e você juntos vamos chegar na lua. Acredite!

Um grande abraço, seu amigo,

Dildo

Sobre a autora

Comentarista na CNN Brasil, a jornalista Lia Bock começou a blogar em 2008 no site da revista "TPM", onde foi também editora-chefe. Passou por publicações como "Isto É", "Veja SP" e "TRIP". É autora dos livros "Manual do Mimimi: do casinho ao casamento (ou vice-versa)” e do "Meu primeiro livro", ambos editados pela Companhia das Letras. É mãe de quatro filhos e pode ser encontrada no Instagram @liabock e no Twitter @euliabock

Sobre o blog

Um espaço para pensatas e divagações sobre notícias, sexo, filhos, coração partido, afetações apaixonadas e o que mais parecer importante ao universo feminino.

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