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Lia Bock

Quer chorar? Chore como um menino!

Lia Bock

26/01/2018 05h00

(iStock)

Meu filho de 9 anos viu o mais novo chorando por uma bobagem e disse: "nhenhenhe, parece uma menininha". Meu coração gelou. Lembrei do valor da mensalidade da escola construtivista. Lembrei de tudo que eu e todos os outros envolvidos na educação dos pequenos acreditamos e tentamos (com afinco) passar pra eles. Me perguntei em silêncio: onde foi que eu errei? Chiliquei por dentro, respirei fundo e mandei:

– Menina chora assim, é?

Ele respondeu prontamente que não e sorriu. Ufa. Continuei me mexendo com naturalidade e segui com a conversa como se fosse desimportante. (Porque se tem uma coisa que eu aprendi nessa vida é que as crianças adoram pegar um tema que te incomoda e carcar o dedo, só pra provocar).

– Então porque você disse isso?

E aí veio a frase fatídica: "Sei lá… por que todo mundo diz".

Ainda fingindo desapego ao tema, eu disse: "que coisa mais estranha, né? Todo mundo dizer uma bobagem dessas". Para o alívio de uma dor renal que começava a surgir ele disse: "É… estranho mesmo".

Eu não quero culpar você, sociedade, por botar esse tipo de pensamento impregnado de machismo na cabeça do meu filho. Então vou falar pra nós todos: enquanto a gente não perceber que pequenas coisas fazem grandes diferenças nada vai mudar de fato, na raiz.

Quando uma criança repete que meninas são choronas (frágeis, vulgares, fáceis, desprotegidas, boa para enfiar a pica e jogar na rua) ou qualquer uma dessas coisas que flanam por aí, uma verdade vai se criando e quando vemos, ela é o mais sólido monolito social.

Tudo que é repetido exaustivamente, com o tempo, toma corpo e, mesmo sem sabermos direito porque, passamos a acreditar naquilo. E neste contexto as mulheres saem perdendo porque a sociedade repete exaustivamente tanta bobagem sobre nós…

Eu mesma por exemplo, costumava usar a péssima expressão "essa calça tá apertada, tá me estuprando" ou "aquele trabalho era péssimo, um estupro diário". Um dia me dei conta que falando isso eu estava fazendo do estupro uma coisa corriqueira, que acontece todo dia, que acontece na minha casa e… não, né? Passei a deixar essa palavra pra o momento em que de fato ela se aplica. Existem tantos outros adjetivos menos mórbidos. Não quero colaborar para que essa violência pareça menos terrível do que ela é. Nem de brincadeira.

Porque mesmo na piada, quando soltamos esse tipo de excrescência verbal estamos plantando sementes de uma cultura, de uma verdade que não tem nada de bom a nos oferecer.

Pra finalizar a conversa eu disse displicentemente: "eu acho que gente chora tudo igual".

Sobre a autora

Comentarista na CNN Brasil, a jornalista Lia Bock começou a blogar em 2008 no site da revista "TPM", onde foi também editora-chefe. Passou por publicações como "Isto É", "Veja SP" e "TRIP". É autora dos livros "Manual do Mimimi: do casinho ao casamento (ou vice-versa)” e do "Meu primeiro livro", ambos editados pela Companhia das Letras. É mãe de quatro filhos e pode ser encontrada no Instagram @liabock e no Twitter @euliabock

Sobre o blog

Um espaço para pensatas e divagações sobre notícias, sexo, filhos, coração partido, afetações apaixonadas e o que mais parecer importante ao universo feminino.

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