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Lia Bock

A Justiça precisa se preparar para denúncias de estupro que virão à tona

Lia Bock

01/09/2017 17h19

Cartazes da ação #MeuCorpoNãoÉPúblico, criados após os crimes estupro desta semana. (Foto: Divulgação)

A discussão sobre o caso do homem que ejaculou no pescoço de uma mulher no ônibus exaltou os ânimos de muita gente. No bar, nas redes sociais e na mesa do jantar, casais, famílias, amigos e juristas versam sobre se foi ou não estupro e se o juiz agiu corretamente.

A internet pegou fogo e, quando vi, tinha gente propondo capar o sujeito. Outros, divulgaram a foto do rapaz com frases que incitam a justiça com as próprias mãos. O rosto do juiz que decretou a soltura do acusado também apareceu em diversos posts, como se saber a cara dele fosse importante para…. para que mesmo? Dar um sopapo se o encontrarmos na padaria? Não. Mil vezes não.

É muito válido que estejamos discutindo nossas leis, que busquemos uma justiça de fato justa. Mas incitar a violência ou deixar que nossa indignação tome conta da razão, não nos levará a lugar nenhum. Por isso, não estou aqui pra dizer que o juiz está certo ou errado. Estou aqui para falar de nós, habitantes deste Brasil tão simpático quanto misógino e usuários dessa web tão fascinante, quanto linchadora.

Do alto da minha petulância e depois de conversar com alguns advogados e especialistas em direitos humanos venho lembrar alguns pontos importantes para quem quer levar essa discussão para um lugar ético e justo. Hoje, existe uma grande luta contra o encarceramento em massa no Brasil. Nossas prisões estão abarrotadas, nosso sistema prisional é ineficaz – pra dizer o mínimo – e nossas leis funcionam se o acusado for preto e pobre. Pois este contexto deve ser levado em conta quando temos casos sem uma solução óbvia. O caso da ejaculação no ônibus nitidamente entra nesta categoria. Os próprios advogados e juízes tem visões diferentes.

Tendo em vista tudo que lemos sobre a lei do estupro (que em 2009 mudou e passou a incluir não apenas a conjunção carnal violenta, mas também o atentando violento ao pudor e qualquer constrangimento ou prática libidinosa), o que fica é a pergunta: será que nossa lei é justa? Onde se encaixa o caso do ônibus então? Este parece ser o problema: ele não se encaixa.

Quando as mulheres e a sociedade se revoltam contra a decisão por não se sentirem protegidas pela lei, a luz vermelha deve ser acendida. O estupro ser considerado crime hediondo foi comemorado. Constrangimento libidinoso ser considerado estupro, foi comemorado. Tudo isso é vitória pra nós. Mas eu pergunto: então vamos mandar pra cadeia (a nossa cadeia. Aquela!), por 6 anos no mínimo, todos os sujeitos que se esfregaram em alguém no ônibus? Ou que ejacularam no pescoço? É isso mesmo? Ou pior, vamos mandar eles pra casa como se nada tivesse acontecido? Nada me parece satisfatório – e por que não dizer, justo.

O que temos aqui não é um problema do juiz é um problema da lei. Precisamos discutir, enquanto sociedade, se a nossa justiça está preparada para as denúncias que o feminismo está trazendo à tona. Porque sabemos que estes casos sempre existiram, só que agora eles estão no megafone.

Sim, nós vamos gritar! Sim, nós queremos justiça! Mas não, não queremos justiçamento e nem vingança.

E agora, Brasil? Precisamos falar sobre estupro. Sobre cadeia. Sobre penas que evitem e reduzam casos dessa violência que não marca o corpo, mas marca a alma das pessoas.

Sobre a autora

Comentarista na CNN Brasil, a jornalista Lia Bock começou a blogar em 2008 no site da revista "TPM", onde foi também editora-chefe. Passou por publicações como "Isto É", "Veja SP" e "TRIP". É autora dos livros "Manual do Mimimi: do casinho ao casamento (ou vice-versa)” e do "Meu primeiro livro", ambos editados pela Companhia das Letras. É mãe de quatro filhos e pode ser encontrada no Instagram @liabock e no Twitter @euliabock

Sobre o blog

Um espaço para pensatas e divagações sobre notícias, sexo, filhos, coração partido, afetações apaixonadas e o que mais parecer importante ao universo feminino.

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