Bolsonaro e coronavírus: o pior é passar por tudo isso sem bar e sem abraço
Lia Bock
28/04/2020 04h00
(iStock)
Quarentena, isolamento, máscara, luva, sabão, bucha e álcool gel. Lava as comidas, lava as mãos, lava a louça, lava as crianças.
Medo da morte, medo dos vivos, medo das latas que vêm do mercado.
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Sai Mandetta, sai Moro, sai Moraes Moreira, mas não pode sair na rua.
Faz a lição de matemática, faz as contas, faz mandinga, faz almoço e no dia seguinte faz tudo de novo.
Chora a democracia, chora o coronavírus, chora o amigo sem velório.
Acorda com as crianças gritando, grita com Bolsonaro, grita com a televisão, grita no Twitter.
Faz doação, se sente inútil, fica insone, procrastina o trabalho e dorme no teclado.
Engole a demissão, engole o ministro novo, engole a fatura do cartão. Engole seco.
Perde a cabeça, perde a libido, perde as estribeiras.
Mede a saturação, mede a febre, mede a temperatura de Brasília.
Lê a notícia, briga com a notícia, tuíta a notícia, enrola o copo quebrado com a notícia.
Dá Google no número de mortos, Google no Alexandre Ramagem, Google em como acalmar os pensamentos.
Cadê a positividade? Cadê a ioga? Cadê Regina Duarte? Cadê saúde mental? Cadê os avós dessas crianças?
Pra pqp o presidente, as lives da semana e as seis refeições diárias dos adolescentes.
A farmácia é Chernobyl, mercado é Chernobyl, o Uber é Chernobyl, minha casa é Chernobyl.
Faz Zoom, cancela o Zoom, que se dane os dados todos com o Zoom.
Não subestime Bolsonaro, não subestime o Moro, não subestime o fim da humanidade.
Vai dar tudo certo, vai dar tudo errado, vai dar tudo em pizza, vai dar tudo na mesma.
Palmas para a Gabriela Priolli, risos para a blogueirinha do fim do mundo, um drinque para as previsões do Átila, panelas para o presidente.
Relativiza o panelaço, relativiza o corona, relativiza o bom senso, relativiza o ser humano. Acaba com o otimismo, acaba com a cerveja, acaba com a investigação da Polícia Federal.
Faz voto de silêncio nas redes, amaldiçoa quem votou nulo, vota no BBB.
Liga a TV, liga pras amigas, liga o foda-se.
Dorme lendo o UOL, dorme o plano das férias, dorme a festa de aniversário, dorme o sonho de um país mais igual.
O pior é passar por tudo isso sem bar e nem abraço.
Sobre a autora
Comentarista na CNN Brasil, a jornalista Lia Bock começou a blogar em 2008 no site da revista "TPM", onde foi também editora-chefe. Passou por publicações como "Isto É", "Veja SP" e "TRIP". É autora dos livros "Manual do Mimimi: do casinho ao casamento (ou vice-versa)” e do "Meu primeiro livro", ambos editados pela Companhia das Letras. É mãe de quatro filhos e pode ser encontrada no Instagram @liabock e no Twitter @euliabock
Sobre o blog
Um espaço para pensatas e divagações sobre notícias, sexo, filhos, coração partido, afetações apaixonadas e o que mais parecer importante ao universo feminino.