Linchamento virtual: o que a sociedade perde quando a internet não perdoa?
Lia Bock
11/02/2020 04h00
(iStock)
Na maioria das vezes em que a web se volta contra alguém de forma visceral a gente perde alguma coisa. Além do bom senso, que se vai com frequência nesses casos, perdemos a oportunidade de aprofundar uma discussão.
O apontar de dedo para o erro deveria servir como ferramenta para uma discussão mais ampla, e não se tornar um tribunal fulminante que apedreja a pessoa e desintegra sua reputação. A vontade de massacrar alguém virtualmente é a mesma que de atacar uma pessoa em praça pública – e seu efeito pode ser tão destrutivo quando apedrejar fisicamente.
É claro que muitas vezes estamos decepcionados com um ídolo, indignados com a atitude de alguém ou putos com algo que nos parece muito ofensivo e se colocar pode fazer sentido. Mas uma coisa é contra-argumentar e mostrar o quão escrota é uma atitude, outra, bem diferente, é a manobra que visa o esvaziamento total de credibilidade, é a perseguição e a difamação. Destruir a reputação de alguém não é discordância, é vingança.
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E pior, atacar alguém com furor pode ter o efeito reverso e acabar deixando a pessoa hiper-reativa, o que só cria mais um daqueles "nós contra eles" que tem marcado nossa sociedade. De um lado, a multidão ataca o réu apontando o dedo para o erro da vez. Do outro está a pessoa e seu núcleo duro tentando arduamente mostrar que não foi bem assim. Nessa queda de braço, ficamos apenas no rasinho das discussões, perdendo a oportunidade de nos debruçar sobre uma questão que conversam com problemas sociais amplos, como racismo, machismo e violência.
O caso do apresentador Rodrigo Bocardi cai um pouco nesta armadilha. De um lado ele se defende indignado de ser taxado de racista e do outro parte da população se enfurece e pede sua cabeça na Globo. Perdemos dos dois lados já que poucos falam de racismo estrutural, de como ele está presente em todos nós construindo uma malha racista que pode passar um tempo invisível, mas segue firme. Não se cria pontes para entender como isso pode acontecer com todas as pessoas brancas e, no fim, não saímos do lugar.
Às vezes o linchamento virtual é tão brutal que acabamos perdendo o "nosso" réu, já que sob a avalanche de ódio, ele muda naturalmente de posição e se torna uma vítima. Quando a pessoa de fato fez algo errado isso funciona como um xeque-mate na evolução humana, porque tira o foco do que deveria de fato estar sendo discutido. Despendemos uma energia enorme que não nos agrega nada e talvez só alimente outros monstros raivosos.
Mas aqui cabe a pergunta: é o volume de criticas online que cria um linchamento? Não. O mundo inteiro pode estar contra você usando uma argumentação plausível e discordando de algo que você disse ou fez e, por mais que isso desça sua garganta com gostinho de linchamento, nem sempre a denominação se aplica. O linchamento virtual tem caráter vingativo e, assim como o físico, é uma forma da sociedade punir com força redobrada o erro inicial. Ou seja, se o que vem na sua direção é um mar de argumentação, segure a respiração, aguente firme e faça uma autocrítica, mas não se coloque na posição de vítima de um massacre.
Uma das diferenças principais é a perseguição, no linchamento a pessoa passa a ter seus passos todos acompanhados (online e ou offline) e tem perdas reais devido às atitudes que vêm em sua direção: perde o emprego, os perfis nas redes sociais, a saúde mental, a privacidade e mais um par de coisas que variam de caso para caso. O linchamento visa matar a pessoa (online ou offline) e justamente por isso acaba nos levando para um lugar bem distante da discussão real.
Sob esta perspectiva vale a reflexão: Petrix foi linchado? E Pedro Bial? Mas principalmente vale a análise da forma como estamos atuando digitalmente. Será que estamos usando uma força desproporcional? Será que estamos colocando argumentos embasados para a criação de uma discussão ou estamos apenas querendo punir quem ousou errar? Porque se a gente está a postos com o taco de basebol virtual na mão alguma coisa vai mal, muito mal.
Sobre a autora
Comentarista na CNN Brasil, a jornalista Lia Bock começou a blogar em 2008 no site da revista "TPM", onde foi também editora-chefe. Passou por publicações como "Isto É", "Veja SP" e "TRIP". É autora dos livros "Manual do Mimimi: do casinho ao casamento (ou vice-versa)” e do "Meu primeiro livro", ambos editados pela Companhia das Letras. É mãe de quatro filhos e pode ser encontrada no Instagram @liabock e no Twitter @euliabock
Sobre o blog
Um espaço para pensatas e divagações sobre notícias, sexo, filhos, coração partido, afetações apaixonadas e o que mais parecer importante ao universo feminino.