Diogo Nogueira: por que estranhamos tanto quando uma mulher fala bem do ex?
Lia Bock
07/01/2020 04h00
Diogo Nogueira (João Cotta/Divulgação)
Neste domingo (5), foi ao ar o primeiro Arquivo Confidencial do Domingão do Faustão. E a web se alvoroçou quando Milena, ex-mulher do homenageado Diogo Nogueira, pegou o microfone e teceu muitos elogios ao ex. Chamou mais atenção ainda ela dividir o palco com Jéssica, a atual namorada dele.
Mas por que ficamos tão surpresos com o fato de um casal que foi muito feliz e passou 15 anos junto se dar bem depois da separação? Num mundo onde a taxa de casamentos só cai e a de divórcios só cresce (segundo o IBGE, a cada três casamentos um termina em divórcio) e muita gente tem mais do que um ex, deveria ser apenas normal as pessoas conseguirem manter a amizade, o amor e principalmente o respeito após a separação, não é mesmo?
Só que isso não acontece. Ainda vivemos num mundo onde o normal é odiar, brigar na Justiça e amaldiçoar a vida do outro sem a gente.
Mas o que há de "normal" em seu maior parceiro ou parceira, a pessoa com com quem você dividiu a cama, os boletos e os momentos de alegria, de um dia pra outro, se tornar seu arqui-inimigo? No fundo, isso é bem estranho, mas foi sendo normatizado, foi virando o básico por uma total falta de maturidade emocional da geral.
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É como se socialmente a gente tivesse evoluído: a mulher se emancipou e os casamentos deixaram de ser negócios indestrutíveis para se tornarem relações facultativas de amor. Mas, emocionalmente, a gente ficou parado no tempo, sem saber como lidar com essas novas relações mais efêmeras e, principalmente, com o fato de que separada de nós a pessoa segue sua vida, tem novos amores, novas vontades, novas descobertas.
Ainda divorciamos com o coração na garganta e aplicamos a lógica dos nossos avós, em que a separação era tabu, uma espécie de morte, de breu, de fracasso. E, assim, somos contaminados pela dor e por sentimentos nada louváveis que nos levam direto para o caminho do ódio ao ex.
É preciso urgentemente remoçar esse "normal"!
Neste ponto vale um pouco de história, já que não chegamos até aqui à toa. O casamento sempre foi uma questão polêmica em que a Igreja teve forte atuação. E, durante muito tempo, o que Deus unia o homem não podia separar. Em 1891, foi expedido um decreto que abria a possibilidade de "separação de corpos" desde que houvesse adultério, sevícia, injúria grave, abandono do lar ou mútuo consentimento dos cônjuges casados há mais de dois anos.
Ou seja, basicamente, entramos em 1900 encarando a separação como algo que só acontece por motivo de desgraça –e ai de quem queria separar sem consenso. Socialmente, fomos sendo encaminhados à essa névoa sombria pós-casamento. E, vejam, a tal "separação de corpos" não desfazia a parte jurídica, que ficava para o resto a vida, amém.
Foi só em 1977, há pouquíssimos 43 anos, que o divórcio foi oficialmente instituído, não claro sem causar alvoroço na parcela religiosa que, diga-se, tinha grande influência sobre o Estado. A inovação permitia extinguir por inteiro os vínculos de um casamento e autorizava que as pessoas se casassem novamente. Ufa.
Tudo isso para dizer que estamos engatinhando no quesito divórcio e precisamos ter em mente que evoluir é preciso. E não é só na parte jurídica ou na guarda compartilhada (ainda bem cada vez mais comum) mas também na parte emocional. Precisamos trabalhar nosso coração e nossa cabeça para a separação que, sim, pode acontecer. Precisamos exercitar o amor ao próximo, a resignação e a compaixão –como bem insiste a Igreja– para que a vida após o divórcio seja apenas mais uma etapa na história dessa família. E, assim como não queremos desgraças, vociferações e vômito de ódio em nossos lares, precisamos nos esforçar para que esse tipo de sentimento não penetre a casa e a vida do ex.
A raiva não nos afasta da outra pessoa, ela não é capaz de fazer o outro, ou a história que tivemos juntos, desaparecerem. Ao contrário, ela traz o outro para bem perto e da pior maneira possível. Traz mais problemas, mais dor de cabeça e mais energia ruim para as nossas famílias.
Por isso, celebremos o discurso carinhoso de Milena e a harmonia da família Nogueira, mas não com surpresa, e sim com admiração. Miremos nisso, levantemos essa discussão e exercitemos nós mesmos o respeito e o amor pós-separação.
O mundo pede que mudemos. Ninguém disse que é fácil, mas com certeza criar um novo normal pós-divórcio nos levará para um lugar muito melhor.
Sobre a autora
Comentarista na CNN Brasil, a jornalista Lia Bock começou a blogar em 2008 no site da revista "TPM", onde foi também editora-chefe. Passou por publicações como "Isto É", "Veja SP" e "TRIP". É autora dos livros "Manual do Mimimi: do casinho ao casamento (ou vice-versa)” e do "Meu primeiro livro", ambos editados pela Companhia das Letras. É mãe de quatro filhos e pode ser encontrada no Instagram @liabock e no Twitter @euliabock
Sobre o blog
Um espaço para pensatas e divagações sobre notícias, sexo, filhos, coração partido, afetações apaixonadas e o que mais parecer importante ao universo feminino.