"Ele era um homem bom": violência não vem estampada na cara do agressor
Lia Bock
14/11/2019 04h00
(iStock)
Patrícia conheceu "o homem bom" em Fortaleza, onde vivia numa casa simples com a família. Ele é holandês e logo começaram a namorar, com aliança e tudo. Pagou viagem, roupas, prometeu a reforma na casa inacabada. Enviou dinheiro, marcou casamento e foi sempre muito gentil com todos. Assim se passaram três anos de namoro entre lá e cá.
Mas, em outubro, Patrícia foi encontrada morta junto com o bebê que estava gestando, de quase oito meses.
"O homem bom" é o único suspeito. E os dois filhos da brasileira, além de não ganharem as camas que "o homem bom" prometeu, perderam a mãe, morta na Holanda.
A família ficou em choque com a notícia porque, afinal, Dennis parecia "um homem bom".
Por isso, quando as pessoas se perguntam quem são os homens que cometem violência contra suas esposas ou namoradas, precisamos sempre lembrar de Dennis. Precisamos sempre lembrar que a violência não está estampada na cara dos sujeitos e que é preciso tempo e atenção aos detalhes para caçar o título de "homem bom" antes que os caras se tornem agressores.
Nos atentemos aos fatos de que, antes de Patrícia morrer, Dennis já não era mais o rapaz bacana que mostrara a princípio. E é a esses detalhes que precisamos nos apegar. Ele a fez apagar o Facebook e a proibiu de falar com a família pelo Whatsapp. Os amigos sabiam disso, ela mesma contou. Segundo a irmã, ele teria insistido para que ela fizesse um aborto, mesmo estando com a gestação avançada.
Ah, mas todo cara que é possessivo ou pede pra apagar o Facebook agora é potencial assassino? Claro que não, mas existem indícios para atitudes violentas, e ciúme excessivo e controle da vida da mulher são alguns deles. E, convenhamos, não são só os assassinatos que não podem ser tolerados. Qualquer tipo de violência deve ser motivo para o término e medidas judiciais cabíveis.
Eu não estou querendo generalizar, mas tão pouco podemos ignorar que muitas mulheres têm morrido na mãos de seus companheiros. Todos eles "homens bons" até não serem mais.
Por isso, acho muito importante a gente falar aqui do que vem antes dessas mortes. Porque, geralmente, alguma coisa vem. E, como afirmam os especialistas que entrevistamos para a série Vítimas Digitais, exibida no GNT, pequenas violências são a porta de entrada para violências maiores.
Então, não tem essa de achar ciúme fofo. Não tem essa de achar que "ele está cuidando de mim", quando, na verdade, o que acontece é monitoramento excessivo e controle. Não tem essa de achar que ele foi violento só porque estava de pileque. Homem que proíbe a mulher de ver ou falar com família ou amigos, que proíbe de usar essa ou aquela roupa, que exige a senha do celular e afins precisa ser visto com as ressalvas necessárias. Claro que nem todos matarão suas companheiras, mas tenha a certeza de que coisa boa não virá!
LEIA MAIS:
> Violência digital: um crime que cresceu 1600%
> É preciso ter medo e não vergonha do tapa do marido
> O que leva o pai a matar o namorado da filha?
Muitos casos de feminicídio, ameaça e exposição de fotos e vídeos íntimos sem consentimento acontecem depois que a mulher termina uma relação que já era abusiva. Inconformados com o fim, os sujeitos partem pra cima como podem no pior formato "se não vai ser minha, não vai ser de ninguém". E é aqui que não queremos chegar!
Mas, gente, homem que controla a mulher é o que mais tem no mundo. Pois tenhamos medo de todos eles e não caiamos na lábia dessa sociedade machista e que ainda quer a mulher como um adereço do homem.
E, claro, também não caiamos aqui no clichê de que "quando a esmola é demais, o santo desconfia", porque o mundo está de fato cheio de homens bons. O que a gente precisa é ficar de olho nos que são lobos em pele de cordeiro, nos que cruzam a linha do bom senso, da privacidade e da autonomia da mulher. Esses, sim, têm bem mais chance de ser os feminicidas de amanhã.
Sobre a autora
Comentarista na CNN Brasil, a jornalista Lia Bock começou a blogar em 2008 no site da revista "TPM", onde foi também editora-chefe. Passou por publicações como "Isto É", "Veja SP" e "TRIP". É autora dos livros "Manual do Mimimi: do casinho ao casamento (ou vice-versa)” e do "Meu primeiro livro", ambos editados pela Companhia das Letras. É mãe de quatro filhos e pode ser encontrada no Instagram @liabock e no Twitter @euliabock
Sobre o blog
Um espaço para pensatas e divagações sobre notícias, sexo, filhos, coração partido, afetações apaixonadas e o que mais parecer importante ao universo feminino.