Topo

Atualizando a Festa Junina: Noivinha? Menino de um lado, menina do outro?

Lia Bock

18/06/2019 04h33

(iStock)

É tempo de quentão, vinho quente, canjica, pescaria, prenda e quadrilha. Festa Junina é sempre divertido. Mas todas as vezes que me deparo no Instagram com quadrilhas que têm meninas de um lado e meninos de outro me sobe um frio na espinha.

Não que eu negue as tradições, mas acho necessário atualizarmos alguns conceitos. É isso que fará do mundo um lugar melhor pra se viver.

Veja também:

Por isso, quando uma escola martela na cabeça de crianças pequenas que menina dança com menino (e ponto), reforça um estereótipo que estamos (a duras penas) tentando deixar pra trás.

Tem muita escola que já superou isso faz tempo. Criança dança com criança, afinal, a diversão é o que importa. "Mas e o narrador, como ele vai fazer?" Fiquem tranquilos, ele se vira para indicar que uma turma vai pra um lado e outra pro outro. "Os da direita cumprimentam os da esquerda!" ou "o lado da prof. Juliana reverencia o lado da prof. Tatiana". O que não pode é dizer que menino faz isso e menina faz aquilo. Doutrinação gay? Não, queridos, apenas que esse tipo de divisão coloca na cabeça das crianças questões que não têm nada a ver com a festa e muitas vezes nem com a idade deles.

Mas como este blog não é pra criança, falemos nós dessas questões: Doa a quem doer, o mundo mudou. Menina joga futebol, menino brinca de boneca, mulher casa com mulher e homem com homem. Qualquer coisa que reforce o oposto disso é luta inglória de quem não quer ver a beleza da mudança. Mesmo durante as brincadeiras de Festa Junina. Porque sim: é nos detalhes que a gente avança, cresce, aprende.

Mas a gente não vai falar nada disso pra eles, que são crianças. Assim como também não vai falar que o par da Festa Junina simula um casal. Pense no conceito dupla, facilita bastante. Criança não namora. Criança não faz casal, faz dupla.

Mesmo assim, você está achando esse discurso femininja demais? Então, senta aqui: pergunta pras suas amigas negras quando elas foram as tais noivinhas na Festa Junina da escola nos idos de 1990. Não faltam relatos de mulheres negras que nunca foram colocadas nesse papel porque… por que mesmo? Ah, sim, porque no ranço da Festa Junina, a noiva era sempre "a mais bonita" e, ao que parece, este lugar não pertencia às negras.

Isso é muito tapa na cara, vai? Vergonha da humanidade. E vejam, esse atos racistas (vamos dar o nome correto, mesmo que doa) mexeram com a autoestima de muita mulher maravilhosa por aí. Mas e o que isso tem a ver com a dancinha das duplas, gente? Isso tem a ver com pequenas (grandes?) atitudes que parecem inócuas mas acabam torcendo a cabeça das crianças. Isso mostra como uma simples Festa Junina molda nossos pequenos da maneira mais cruel.

Criança não tem que querer ser a mais linda e nem ser obrigada a dançar com uma pessoa com quem não tem intimidade, porque é do sexo oposto.

E já que estou problematizando, deixa eu falar mais uma coisinha: não acho nada bacana vestir menina de noiva, ok? Aliás, eu acho é bem bizarro. Porque a gente não quer criar mulheres pra casar, certo? Queremos criar mulheres para presidir as multinacionais e talvez o país. E essa coisa de desejar o vestidinho de noiva desde a tenra idade é a mais pura doutrinação ideológica! Ideologia das esposas-recatadas-do-lar. Bora focar nas multinacionais, pessoal!

Mas voltando às vestes: esses vestidos, assim como aqueles cheios de saiotes que a gente acha fofo nas crianças, podem ser lindos na foto pra vovó postar nas redes, mas pra brincar, correr e dançar quadrilha (isso sim, coisa de criança!) são terríveis.

Na dúvida, lembre sempre: a liberdade é um santo remédio.

– Olha a cobra!
– É mentira!!

 

Comunicar erro

Comunique à Redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:

Atualizando a Festa Junina: Noivinha? Menino de um lado, menina do outro? - UOL

Obs: Link e título da página são enviados automaticamente ao UOL

Ao prosseguir você concorda com nossa Política de Privacidade

Sobre a autora

Comentarista na CNN Brasil, a jornalista Lia Bock começou a blogar em 2008 no site da revista "TPM", onde foi também editora-chefe. Passou por publicações como "Isto É", "Veja SP" e "TRIP". É autora dos livros "Manual do Mimimi: do casinho ao casamento (ou vice-versa)” e do "Meu primeiro livro", ambos editados pela Companhia das Letras. É mãe de quatro filhos e pode ser encontrada no Instagram @liabock e no Twitter @euliabock

Sobre o blog

Um espaço para pensatas e divagações sobre notícias, sexo, filhos, coração partido, afetações apaixonadas e o que mais parecer importante ao universo feminino.

Mais Posts