É fato: mulheres trabalham 10% a mais que seus colegas
Lia Bock
20/03/2019 04h00
(iStock)
Um informação vinda do festival SXSW deste ano trouxe pra mim um gosto de satisfação. Não que ela seja boa, não é, mas é a confirmação de que eu estava certa. E isso dá um certo alívio.
Todos esses anos trabalhando em lugares que vão do McDonald's à grandes redações eu sempre achei que a maioria dos caras trabalhava menos. Sempre me peguei achando as mulheres, no geral, mais esforçadas, mais organizadas e mais efetivas no que faziam do que seus colegas homens. Desde servir big mac ou editar revistas.
E eis que em 2019, no festival mais badalado de inovação do mundo: a comprovação.
A pesquisa crava em 10% o montante que as mulheres produzem a mais que os homens. E distanciada da vontade de dizer que é mais, acho que a média é por aí mesmo. Claro que não dá pra generalizar, tem muito homem dedicado trabalhando duro por aí, mas contra dados não há argumentos.
E vocês sabem o que isso significa?
Vamos repassar: são as mulheres as organizadoras do lar e da rotina da família. São as mulheres que amamentam bebês e cuidam das crianças. Na maioria das casas ainda são as mulheres que fazem a comida e cuidam da louça e da roupa (mesmo trabalhando fora). São as mulheres que costumam cuidar dos idosos da família e se ausentar do trabalho para demandas médicas de filhos e pais. Isso quando os caras não abandonam o lar e as responsabilidades ficam todinhas pra elas (lembremos que segundo o IBGE 40% dos lares Brasileiros são chefiados por mulheres). São as mulheres que ganham salários menores. E, mesmo assim, são elas que recebem 10% a mais de afazeres no trabalho?
Se isso não te cheira a injustiça, há algo errado com você.
Por que a mulher ainda carrega a carga mental de organizar a casa? E por que raios elas trabalham mais que os homens e ganham o mesmo?
A resposta é cruel. A gente foi por muito tempo cidadãs de segunda classe. Sem direitos, sem vontade. Seres que pertenciam aos homens da família. Pra sair desse lugar foi preciso esforço, e muito. E foi preciso, claro, mostrar que podemos tanto quanto ou (voilà) mais do que os rapazes. E assim, começamos a trabalhar mais, a aceitar mais coisas em menos tempo e por menos dinheiros para mostrar que, sim, éramos capazes.
Só que isso já faz tempo e já está comprovado de que somos tão capazes quanto qualquer macho. A ciência já mostrou que nosso cérebro é igual e que o útero não nos faz histéricas. Então, porque a gente segue trabalhando mais e ganhando menos mesmo?
Porque o mundo ainda é dominado pelos homens, que obviamente não querem perder este privilégio. Sei que muita gente acha esse discurso coisa de feminazi, mas na verdade é de femininja. Na reportagem de Hysteria linkada ali em cima vemos que ainda precisaremos de mais de 200 anos para igualar os salários. Duzentos anos. E isso claro, trabalhando 10% a mais. Haja apego a privilégio, não é mesmo?
A reportagem ainda é bem clara: igualdade salarial é bom pra todo mundo, até para o PIB!
E assim seguimos. Nos falamos em dois séculos. Beijo.
Sobre a autora
Comentarista na CNN Brasil, a jornalista Lia Bock começou a blogar em 2008 no site da revista "TPM", onde foi também editora-chefe. Passou por publicações como "Isto É", "Veja SP" e "TRIP". É autora dos livros "Manual do Mimimi: do casinho ao casamento (ou vice-versa)” e do "Meu primeiro livro", ambos editados pela Companhia das Letras. É mãe de quatro filhos e pode ser encontrada no Instagram @liabock e no Twitter @euliabock
Sobre o blog
Um espaço para pensatas e divagações sobre notícias, sexo, filhos, coração partido, afetações apaixonadas e o que mais parecer importante ao universo feminino.