O que leva um pai a matar o namorado da filha?
Lia Bock
10/06/2019 14h23
(iStock)
O que leva um pai a matar o namorado da filha e os pais dele? Alguns vão dizer que o "cara é maluco" ou que "perdeu a cabeça". Mas essas respostas são simplistas demais. Dizer que a culpa foi do "ciúme" que o pai tinha da filha, como prega a polícia, também me parece muito reducionista.
E claro que até Paulo Cupertino Matias, o pai, ser pego e dar a sua versão, não podemos cravar nada.
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Mas o que precisamos fazer frente a este brutal assassinato de Rafael Miguel e de seus pais é olhar o todo. E o que vemos no entorno deste acontecimento é o cultivo do ódio, a desistência do diálogo, o enaltecimento das armas e um apego à (desgastada) submissão feminina — pelo menos. Cena totalmente propícia ao empoderamento de quem não tem as ideias no lugar.
Porque pode até ser que você, leitor atento, diga que sabe diferenciar o certo do errado e que não é porque apoia o armamento da população ou lê sobre as investidas de se colocar a mulher de volta sob as asas dos maridos e pais que vai botar isso em prática dentro de casa; sair apontando a arma pra qualquer um ou começar a ditar o que esposas e filhas devem fazer.
Talvez você não seja como os outros. Mas lembre, nem todo mundo tem essa clareza e muita gente está, sim, fazendo uma leitura extremada do que vê. É o que eu chamo de empoderamento dos deturpados.
É essa leitura que cria, na cabeça de muita gente, um cenário onde matar por ciúme pareça ok. Mesmo que pense isso por apenas alguns instantes, bem sabemos que pode ser tarde demais. Bastam segundos para disparar uma arma e matar uma pessoa. Neste caso, foram três pessoas.
Quando a gente lança no ar a ideia de que ter uma arma nos deixa seguros, lança junto um enorme risco de essas armas serem usadas em momentos de ódio, cabeça quente, bebedeira, abstinência de drogas, enlouquecimento momentâneo e mais um monte de outras coisas que não tem nada a ver com legítima defesa. Glamurizar o revólver e armar a população coloca este risco dentro de nossas casas, de nossas relações, de nossas vidas.
O ódio é uma característica dos seres humanos, o tal "perder a cabeça" também. Tudo que reforça este nosso lado ou nos dá munição para acreditar que ele merece ser ouvido nos manda de volta para a lógica egoísta das terras sem lei, onde vale a máxima do "eu acredito, então eu posso".
Só que isso, somado a uma arma, nos conduz (por um atalho rápido) a tragédias como essa.
É preciso voltar para aquela lógica em que temos medo de qualquer pessoa armada. Porque ninguém está a salvo de perder a cabeça porque tem uma arma na mão. Ao contrário. Torna este momento de perda da sanidade em algo fatal.
Sobre a autora
Comentarista na CNN Brasil, a jornalista Lia Bock começou a blogar em 2008 no site da revista "TPM", onde foi também editora-chefe. Passou por publicações como "Isto É", "Veja SP" e "TRIP". É autora dos livros "Manual do Mimimi: do casinho ao casamento (ou vice-versa)” e do "Meu primeiro livro", ambos editados pela Companhia das Letras. É mãe de quatro filhos e pode ser encontrada no Instagram @liabock e no Twitter @euliabock
Sobre o blog
Um espaço para pensatas e divagações sobre notícias, sexo, filhos, coração partido, afetações apaixonadas e o que mais parecer importante ao universo feminino.