Ciúme é só um sentimento. E não a causa de humilhação, violência e morte
Lia Bock
01/05/2019 04h01
(iStock)
O ciúme faz parte da dinâmica das relações humanas e já foi vangloriado como indício de amor. É verdade que ele aparece nas relações amorosas, mas não é prova de nada e também não pode ser usado como justificativa para falta de controle emocional.
Ciúme é um sentimento, algo comum a todos os seres humanos, mas as ações decorrentes dele são outra coisa e o certo seria até que tivessem outro nome. Tipo: ciúme e "ciumite". Porque o ciúme em si, não é nocivo, mas o que vem depois dele pode ser (!) devastador. Destaque para o pode ser, pois com maturidade emocional o efeito é ameno e pode nos levar a um lugar melhor.
Vamos falar do conceito: ciúme é uma reação emocional que acontece quando um indivíduo sente que pode perder uma coisa da qual gosta muito. Pode aparecer entre irmãos, amigos ou no casal. Eu vou tratar deste último, mas acho que a problematização serve pra todos os outros.
O medo da perda entre pessoas que se gostam é normal. Uma pontada de ciúme no coração pode fazer com que a gente se aprume, valorize o outro e aja para que ele não vá embora, ou seja, pode servir de motivação pra que cuidemos da relação.
O problema é que as pessoas confundem este sentimento mundano com as ações decorrentes dele. Grande erro. Estressar com alguém, vociferar, bater e tudo que vem depois não tem nada a ver com o ciúme em si, mas com a falta de controle dos seres humanos no amor (ou no que se diz que é amor).
Quando um homem bate numa mulher e coloca a culpa no ciúme está corroborando para que este sentimento se travista de ação. E assim, vamos dando uma cara ruim, violenta e mortífera para um sentimento que todos temos. O que leva à violência é a falta de controle ou a falta de maturidade emocional para lidar com sentimentos – dentre eles o amor e o ciúme. Deu pra sacar a diferença?
Do jeito que encaramos o ciúme hoje, parece que ele é de responsabilidade do outro, que o despertou. Não é por aí. O ciúme pode ser despertado a qualquer momento, por qualquer coisa corriqueira. Salvo raras exceções com a pontual intenção de provocar, ele é um problema de quem sente e qualquer consequência que ele gere, também.
O que aconteceu com o tempo foi que naturalizamos esses equívocos, tanto colocando a culpa no outro (na saia curta, na conversa com outro homem, no batom vermelho), como a naturalização de dinâmicas possessivas, violentas e desrespeitosas como se fosse tudo "ciúmes".
Grande erro. Sentir ciúme não tem nada a ver com podar e muito menos com violentar uma pessoa.
A falta de controle e a violência não têm nenhuma outra justificativa que não… a falta de controle e a violência. Todos nós sentimos ciúmes, todos nós temos medo de perder, mas alguns usam isso para justificar sua incapacidade de lidar com as emoções.
Sobre a autora
Comentarista na CNN Brasil, a jornalista Lia Bock começou a blogar em 2008 no site da revista "TPM", onde foi também editora-chefe. Passou por publicações como "Isto É", "Veja SP" e "TRIP". É autora dos livros "Manual do Mimimi: do casinho ao casamento (ou vice-versa)” e do "Meu primeiro livro", ambos editados pela Companhia das Letras. É mãe de quatro filhos e pode ser encontrada no Instagram @liabock e no Twitter @euliabock
Sobre o blog
Um espaço para pensatas e divagações sobre notícias, sexo, filhos, coração partido, afetações apaixonadas e o que mais parecer importante ao universo feminino.