Defender a submissão feminina é colocar munição na arma que mata mulheres
Lia Bock
16/04/2019 22h10
(iStock)
"Dentro da doutrina cristã, lá dentro da igreja, nós entendemos que em um casamento entre homem e mulher, o homem é o líder". Essa foi a frase que Damares, ministra da Mulher, Família e dos Direitos Humanos disse numa audiência pública na Câmara.
Fiquei pensando o que seria essa tal liderança no matrimônio. Porque liderança de mercado eu sei o que significa, liderança no Campeonato Brasileiro e liderança política também, mas liderança marital eu realmente desconheço. É quem decide o que o casal vai comer? Em quem vão votar? Pra onde vão nas férias? Que carro vão comprar?
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Brincadeiras a parte, é muito triste que em pleno 2019 a ministra dos direitos humanos pregue a submissão das mulheres. E não venham me dizer que religião não tem nada a ver o trabalho ponto gov. Não teria se ela não fizesse afirmações desse tipo em público.
Tomemos como exemplo as lideranças políticas que são a favor da descriminalização do aborto mas não falam disso publicamente. O Brasil está cheio delas. Isso acontece porque a opinião pessoal não deve tomar o lugar de fala da posição oficial. E foi aí que Damares pecou.
Ao afirmar publicamente que a mulher deve ser submissa ao homem, Damares mistura a pessoa física – religiosa e submissa no casamento que seja – com a ministra, que deveria pensar no bem de todos independente de credo, raça, orientação sexual ou posição política. E nesse todo o que temos são mulheres morrendo vítimas de seus companheiros – seus líderes, segundo ela.
Frases como as da ministra rapidamente empoderam maridos abusadores, que não terão o menor pudor de dizer "tá vendo, você tem que me obedecer, até a ministra está dizendo", antes de dar uns tapas na esposa.
Damares, entenda: sua crença pregada em público funciona como munição para a arma que mata mulheres. Sei que você jamais colocaria essas balas na pistola, mas suas afirmações protegem homens que, escondidos atrás da máscara de líderes da família, abusam, batem e matam suas companheiras. E veja, eles não precisam de mais estímulo: no mundo morrem hoje 6 mulheres por hora vítimas de pessoas próximas, a maioria companheiros ou ex-maridos.
E não adianta dizer no fim da frase que ser submissa não tem nada a ver com tolerar violência. Porque o estrago já foi feito. A submissão de muitas mulheres não se dá por opção como a da senhora, se dá por medo. Só que ninguém quer saber dos pormenores, o "líder" faz cara de bonzinho, manda flores e posta foto fofa na rede social e pronto, nunca saberemos que ele espanca a esposa até que seu corpo padeça sem vida.
Nada contra suas crenças, ministra, e nem contra seu modo submisso de vida, mas por favor, seja mais responsável em suas declarações.
Sobre a autora
Comentarista na CNN Brasil, a jornalista Lia Bock começou a blogar em 2008 no site da revista "TPM", onde foi também editora-chefe. Passou por publicações como "Isto É", "Veja SP" e "TRIP". É autora dos livros "Manual do Mimimi: do casinho ao casamento (ou vice-versa)” e do "Meu primeiro livro", ambos editados pela Companhia das Letras. É mãe de quatro filhos e pode ser encontrada no Instagram @liabock e no Twitter @euliabock
Sobre o blog
Um espaço para pensatas e divagações sobre notícias, sexo, filhos, coração partido, afetações apaixonadas e o que mais parecer importante ao universo feminino.