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Quem é o "filho único de mãe solteira" dos novos tempos?

Lia Bock

25/05/2018 04h00

(iStock)

O mundo está mudando e com ele as expressões vão caducando ou ganhando novos contornos. "Filho único de mãe solteira", por exemplo, sempre significou algo impossível de ser reposto. Algo que precisa de um tratamento especial. Ela é usada, por exemplo, para uma peça de roupa que adoramos de uma loja que não existe mais.

Mas se pensarmos na origem da expressão, ela nos leva a quê?

A uma mulher que por ser solteira não pode mais ser mãe e por isso trata seu filho como algo "impossível de ser reposto". É interessante pensar como a frase é de fato a marca de um tempo onde, por exemplo, ninguém se perguntava: cadê o pai?

Era uma época em que o pai poderia estar em qualquer lugar, não importava, porque a responsabilidade pelo filho era da mãe. E ponto. E essa mãe, largada pelo homem sem rosto, obviamente não "se arranjaria" novamente. Afinal, que homem ia querer uma mulher com um filho, não é mesmo?

Mas eu quero me ater aqui ao outro lado. O da criança que é colocada numa posição de raridade. Aquele cara (ou aquela cara) mimado, tratado a banho de canequinha e 'não precisa tirar o prato da mesa'. Aquele tão único que chegava a ser iluminado, tão único que precisava ser tratado de um jeito especial.

Mas… o cadenciado educar dos filhos já nos mostrou que nada é pior do que tratar uma criança como algo sagrado (no sentido de raro, único, especial e esplendoroso). É a receita da cabeça cagada. A pessoa cresce achando que o mundo deve girar e torno de si. Cresce achando que os outros são serviçais e não consegue entender muito bem o significado da palavra empatia. Igualdade também vira um troço difícil de assimilar.

E daí, o mundo mudou.

A mãe solteira ainda existe, mas está (digamos) na lida para pagar as contas, tem um namorado (a) e pretende se casar em breve. Até trata o filho (por enquanto) único com muito amor, mas também o obriga a entender o valor das coisas. E o pai? Sim: a gente se pergunta e aponta. Ele tem rosto, nome e sobrenome e se não pagar a pensão da criança vai pra cadeia.

E ao mesmo tempo que o tal filho único de mãe solteira está mais pra um pequeno guerreiro batalhador, vemos surgir uma nova categoria de mimadinhos afins: são os filhos únicos de pais separados.

Maninho passa metade do tempo com a mãe e metade do tempo com o pai. Quando está lá é tratado a pão de ló e quando está cá é o dono da casa. Claro, jamais tira o prato da mesa. (Obviamente que não são todos que se encaixam aqui, mas essa categoria EXISTE)

Sem pensar muito e por motivos de saudade, apego e uma pitada de medo de perder o amor da criança casais divorciados criam pequenos reizinhos (sem juízo de gênero). E esses são tão insubstituíveis quando aquele dos velhos tempos. Porque desse casal não sai mais nem cumprimento de bom dia. (zzzz)

E assim, apenas substituímos a expressão que, por um instante, achamos que iria morrer com a atualização do software humano. Santa ingenuidade.

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Sobre a autora

Comentarista na CNN Brasil, a jornalista Lia Bock começou a blogar em 2008 no site da revista "TPM", onde foi também editora-chefe. Passou por publicações como "Isto É", "Veja SP" e "TRIP". É autora dos livros "Manual do Mimimi: do casinho ao casamento (ou vice-versa)” e do "Meu primeiro livro", ambos editados pela Companhia das Letras. É mãe de quatro filhos e pode ser encontrada no Instagram @liabock e no Twitter @euliabock

Sobre o blog

Um espaço para pensatas e divagações sobre notícias, sexo, filhos, coração partido, afetações apaixonadas e o que mais parecer importante ao universo feminino.

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