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Lia Bock

Por que estamos batendo em Felipe Neto?

Lia Bock

25/04/2018 12h58

Sim, eu sei que foi ele quem soltou um vídeo falando da imprensa. E que ali há informações bem questionáveis e um tanto persecutórias. Mas, antes, Felipe virou o alvo predileto de muitos que buscam educar seus filhos da maneira mais correta. E eu estou neste grupo (nessa batalha diária de erros e acertos); mas não elegi o youtuber como saco de pancada. Por quê? Explico.

Tenho um filho de 9 anos e com ele suporto Felipe Neto, assim como funks de qualidade duvidosa, paródias de futebol sem graça e as malditas cartas Pokémon. Confesso que me surpreendi no dia em que descobri que alguns pais de colegas da escola dele não deixam os filhos assistir o canal de Felipe. Neste dia fui me aprofundar (de leve) no tema.

Descobri então que o que meu filho assiste é apenas parte do repertório do rapaz. O que assistimos aqui são uns vídeos dele analisando, opinando e rindo de algumas vídeo cacetadas da internet. E vejam, entre ele e o Faustão comentando tombos e afins, não vejo diferença.

Olha só, que sorte a minha: Meu filho não vê os vídeos em que ele fala outros tipos de bobagem. E eu nem precisei proibir.

Aqui em casa, YouTube só passa na TV pra casa inteira escutar. É o meu jeito de controlar. Fone e tela no colo, na cama, no cantinho: jamais. Nessas apareceu o irmão, Luccas. Cara, desses vídeos eu não gostei. Dentre as bobagens todas que engolimos achei que estava abaixo da média. Proibi? Não. Sentei do lado e fui comentando com sinceridade. Pedi pro meu filho me convencer de que era legal, ele não conseguiu e acabou por si só desistindo do canal.

O que eu tô querendo dizer aqui é: será que temos que armar uma guerra contra tudo que não gostamos ou achamos bobagem? Se meus pais tivessem feito isso eu não teria assistido tanta Xuxa na vida. E meu pai, diz ele, não teria escutado os Beatles, que meu avô achava chulo e infame. E pra que serve a Xuxa, os Beatles e o Felipe Neto mesmo? Não é pra educar. Garanto.

Nem tudo que somos é por causa de alguma coisa. Às vezes nós somos (algo) apesar de experiências e influências duvidosas. Por exemplo: sou feminista apesar dos filmes e seriados que escorriam machismo e mulher querendo achar homem, os quais assisti a vida toda.

Nossos filhos não vão ser estragados por youtubers, por mais bobos que eles sejam. Aliás, esse pode ser um bom jeito de discutir consumismo, alimentação, conteúdo indevido e o uso indiscriminado de palavrões com a prole. É sempre melhor falar das coisas com base no que eles gostam e pra onde eles estão olhando.

Levar no show do youtuber? Não vou. Assim como minha mãe nunca me levou no "Show da Xuxa". Deixar passar horas intermináveis babando na frente da TV? Também não vou. A vida tem uma pá de coisa bacana pra fazer. Mas daí a transformar o fulano no nosso inimigo número 1, tem um caminho enorme.

Nossos problemas vão muito além das bobagens que esse novo de tipo de comunicação e entretenimento trouxeram pra dentro de casa. Excesso de tela, excesso de atividades, excesso de informação, excesso de cuidado, falta de liberdade, de rua, de céu e grama também estão no nosso pacote – dentre outras muitas coisas, que no meu caso, incluem um monte de críticas a mim mesma.

Precisamos ver os youtubers e o sucesso do Felipe Neto como simbologia e não como alvo. Não é ele que vai estragar os nossos pobres filhinhos. São nossos filhos que podem estragar o mundo. E Felipe é só uma ervilha neste caldeirão nefasto, onde, percebam, nós (com nossas regras e crenças) também estamos. Fazendo uma releitura daquela piadinha com yoga: não adianta proibir Felipe Neto e deixar o filho fazer piadinha com o porteiro. Saca?

Sobre a autora

Comentarista na CNN Brasil, a jornalista Lia Bock começou a blogar em 2008 no site da revista "TPM", onde foi também editora-chefe. Passou por publicações como "Isto É", "Veja SP" e "TRIP". É autora dos livros "Manual do Mimimi: do casinho ao casamento (ou vice-versa)” e do "Meu primeiro livro", ambos editados pela Companhia das Letras. É mãe de quatro filhos e pode ser encontrada no Instagram @liabock e no Twitter @euliabock

Sobre o blog

Um espaço para pensatas e divagações sobre notícias, sexo, filhos, coração partido, afetações apaixonadas e o que mais parecer importante ao universo feminino.

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