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Lia Bock

A expectativa da quarentena não tem nada a ver com a realidade

Lia Bock

24/03/2020 04h00

(iStock)

O WhatsApp sempre foi um app ativo no Brasil, mas em tempos de coronavírus (home office, escola em casa, fake news, panelaços, cantorias na janela e memes a perder de vista) ele realmente bateu todos os recordes.

É por ali que chegam os novos modelos da vida perfeita na quarentena. Aquelas "dicasque deveriam ajudar, mas acabam deixando a gente mais ansioso e mais assoberbado.

Quem aí está conseguindo fazer tour virtual em museu e atividades educativas com as crianças? Pelo amor de Deus, se não é o home office ou a louça acumulada que atrapalham é o desespero com a pandemia lá fora. 

Não digo de forma alguma que as dicas não são legais. São muito bacanas, só não parecem factíveis neste momento.  Eu mesma falei neste blog sobre aproveitar "o tempo para transar gostoso", gente! Onde eu estava com a cabeça? Quem consegue transar enquanto o meteoro se aproxima? Peço desculpas por essa "dica" infame e absolutamente fora de propósito dada num momento pré-quarentena em que a gente ainda achava que seria sossegado ficar em casa.

Estamos, aos poucos, percebendo que a expectativa da quarentena não tem nada a ver com a realidade nela.

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Passar mais tempo com os filhos é uma coisa, ter que cumprir um currículo da escola ao lado deles e descobrir formas de gastar energia dentro de um apartamento é outra totalmente diferente. Namorar o marido (ou a marida) é ótimo, mas depois dividir todas as tarefas da casa e ver as previsões de mortos para daqui um mês corta qualquer clima existente. Cozinhar uma receita prática do Jamie Olivier é superprazeroso, fazer café, almoço, jantar e uns cinco lanchinhos para a família inteira é absolutamente desesperador. 

Fora o nervoso. Quando ele bate vem aquela falta de ar. E falta de ar é o quê? Coronavírus! 

E assim seguimos entre o pandemônio (ou melhor pandemia) lá fora e as angústias e afazeres aqui dentro. A expectativa era de trabalhar de casa, estar em segurança com a família e zerar a Netflix. Mas a realidade são pais hiper-sobrecarregados, crianças em surto ou negação e avós em lágrimas.

Aliás, coisa mais triste separar os avós de seus netos. Realmente esse tal de coronavírus veio com requintes de crueldade. Evitar abraço e ter absoluta repulsa por outras pessoas é uma coisa horrorosa.

É claro que mesmo assim a gente tem que existir e tiro o chapéu para quem consegue fazer isso indo virtualmente a museus e fazendo atividades craft com as crianças, mas não se sinta desajustado se o seu máximo for alimentar a prole e ticar duas ou três coisas da lista do trabalho. 

Cada um faz o que consegue – e ficar em paz com isso ainda é a melhor receita para manter a sanidade.

 

Sobre a autora

Comentarista na CNN Brasil, a jornalista Lia Bock começou a blogar em 2008 no site da revista "TPM", onde foi também editora-chefe. Passou por publicações como "Isto É", "Veja SP" e "TRIP". É autora dos livros "Manual do Mimimi: do casinho ao casamento (ou vice-versa)” e do "Meu primeiro livro", ambos editados pela Companhia das Letras. É mãe de quatro filhos e pode ser encontrada no Instagram @liabock e no Twitter @euliabock

Sobre o blog

Um espaço para pensatas e divagações sobre notícias, sexo, filhos, coração partido, afetações apaixonadas e o que mais parecer importante ao universo feminino.

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