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Lia Bock

Você entra no nível tio do pavê se faz piada com cartão de crédito e mulher

Lia Bock

16/07/2019 04h25

(iStock)

Houve um tempo em que era engraçadinho fazer piada relacionando ímpeto por consumo e mulheres. Mas hoje, tirando os fóruns específicos pra isso, como palcos de stand up (e olhe lá) esse tipo de piada não tem mais lastro – pra não dizer que não tem graça nenhuma mesmo.

E não se trata aqui de um "politicamente correto" chato, como gostam de dizer. Minha defesa pela aposentadoria desse tipo de brincadeira vem embasada em mudança históricas.

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Quando pela primeira vez alguém relacionou dedicação por compras e mulheres em idos de não sei quando, vivíamos em um mundo em que muito do universo feminino girava em torno de poucas coisas. Filhos, casa, comida, compras.

E não precisa ser gênio para ver que o último item dessa lista é o mais amplo e, por que não dizer, mais sexy para quem levava uma vida bem monocromática.  Sim, gastar já foi uma das poucas diversões que a mulher podia ter.

Amante era atividade reservada ao marido. Futebol era esporte de homem. Sair sozinha era coisa de moças desajustadas. Dançar era coisa de quenga. Beber era coisa que se fazia escondido. E por aí vai. Mas comprar, podia.

Basicamente a diversão feminina se resumia a comprar comida, comprar coisas para a casa, comprar presentes, comprar enfeites, comprar sapatos e roupas – e claro costurar, bordar e preparar refeições saborosas, se é que isso conta como diversão.

Ganhar dinheiro por muito tempo foi tabu. Diversas profissões só se abriram para as mulheres depois que a macharada já reinava solta e muitos ofícios pagavam (e ainda pagam) menos para mulheres do que para seus pares. Mas comprar, podia.

Então, não é que as mulheres agarram amor nas compras à toa. Por muito tempo, essa foi uma das poucas coisas em que elas podiam agarrar amor. Essa relação entre o cartão de crédito e o sexo feminino foi construída socialmente. E depois, virou piada, como se tivesse sido uma escolha deliberada. Ah, vá!

Pois falemos da atualidade. Hoje, as mulheres podem muito mais e há sonhos e vontades muito mais interessantes do que o sapato disposto na vitrine. Alguns vão dizer: "mas elas continuam gastando muito mais que os homens". Elementar, meu caro Watson; não se acaba com uma construção social, enraizada como essa, da noite para o dia. A cultura que botou as mulheres no lugar de consumistas gerou todo um mercado ávido por isso. Caminhe numa rua repleta de lojas e conte quantas vitrines masculinas você vê. Folheie uma revista. Os chamarizes para mulheres são infinitos e, como sabemos, consumo não se faz só pela demanda, mas também pela oferta (e que ofertas!). A mais pura tentação.

Mas ao mesmo tempo, hoje são as mulheres que lideram os lares. São elas a maioria nas universidades. E, por que não citar, são elas as que reinam nos Youtubes de finanças.

O que quero dizer é que mesmo ainda recebendo uma remuneração menor pelos mesmos trabalhos, as mulheres estão engordando seus porquinhos e organizando a grana muito bem, obrigada.

Por isso, se você quiser continuar fazendo piadinha com os gastos do cartão de crédito, fique à vontade. Vai cair muito bem em quem quer fazer as vezes de tio do pavê.

 

 

Sobre a autora

Comentarista na CNN Brasil, a jornalista Lia Bock começou a blogar em 2008 no site da revista "TPM", onde foi também editora-chefe. Passou por publicações como "Isto É", "Veja SP" e "TRIP". É autora dos livros "Manual do Mimimi: do casinho ao casamento (ou vice-versa)” e do "Meu primeiro livro", ambos editados pela Companhia das Letras. É mãe de quatro filhos e pode ser encontrada no Instagram @liabock e no Twitter @euliabock

Sobre o blog

Um espaço para pensatas e divagações sobre notícias, sexo, filhos, coração partido, afetações apaixonadas e o que mais parecer importante ao universo feminino.

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