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Lia Bock

Ouvir 'pera aí' de um filho é pior que palavrão

Lia Bock

03/07/2017 04h00

Ilustração: Orlando/UOL

 

Quando a gente tem filhos pequenos e eles entram naquela fase do "manhê", achamos que nada vocalizado pelas crianças pode ser pior. Realmente é um tal de "Manhê, me limpa", "Manhê, olha isso", "Manhê, tô com fome", "Manhê, quero água". Aliás, diversas publicações da literatura infantil dão conta de apoiar as mães neste momento, que passa. E, verdade seja dita, logo deixa saudade – e que saudade!

Ok. Mas daí seus filhos crescem um pouco – o meu mais velho está com 8 anos – e você percebe que aquele era o menor dos seus problemas. E não vamos entrar aqui na questão polêmicas das crianças falando palavrão. Até porque, a pior frase do mundo não é "Vai tomar no cu!". A pior frase do mundo é "Pera aí" ("Já vai", "Só um minutinho" e afins incluso). Gente, que merda é essa que tudo é daqui a pouco?

Que fase é essa que não adianta marcar hora, botar reloginho pra tocar, avisar quando falta 5 minutos, 2 minutos, 30 segundos que os caras devolvem sempre um "Pera aí" insolente? Da onde essas crianças tiraram que podem fazer o tempo parar pra elas fazerem sei lá o que mais um pouco?

Fico procurando justificativas para esse comportamento que vê o tempo como uma coisa elástica. Já culpei até o excesso de programação on demand que faz com eles achem que podem dar pause em qualquer coisas da vida. Porque no meu tempo, a TV não tinha pause e a gente tinha que aguentar a propaganda. Ah, as propagandas… Jamais pensei que acharia uma utilidade real pra elas.

Nenhum chilique ou "pera aí" mudaria a interrupção indesejada das margarinas e lojas de móveis. E assim (olha o delírio!) nos tornamos seres resilientes, acostumados com a interrupção daquilo que nos dava prazer – o meu caso era a caverna do dragão e She-Ra. Cadê a resiliência dessas crianças?

A cada "Já vai" (que não vai nunca, óbvio) eu tenho um pequeno tremor. Cada "Pera aí" me leva para o turbilhão dos minutos preciosos perdidos com a renegociação da negociação. Me soa como um sequestro. Combinado é combinado. Que raios "pera aí" tem que entrar na história?

Me vem um gosto de golpe na boca, de eleições indiretas, de descontrole total até dentro da minha própria casa. Não que eu seja super autoritária e metódica (ok, metódica um pouco), mas é fisiológico: o "pera aí" age sobre meu colágeno, envelheço a cada um deles e são muitos! Não sei se vou sobreviver.

Sobre a autora

Comentarista na CNN Brasil, a jornalista Lia Bock começou a blogar em 2008 no site da revista "TPM", onde foi também editora-chefe. Passou por publicações como "Isto É", "Veja SP" e "TRIP". É autora dos livros "Manual do Mimimi: do casinho ao casamento (ou vice-versa)” e do "Meu primeiro livro", ambos editados pela Companhia das Letras. É mãe de quatro filhos e pode ser encontrada no Instagram @liabock e no Twitter @euliabock

Sobre o blog

Um espaço para pensatas e divagações sobre notícias, sexo, filhos, coração partido, afetações apaixonadas e o que mais parecer importante ao universo feminino.

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