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Lia Bock

Deixem as mulheres violentadas abortarem em paz

Lia Bock

29/06/2017 04h00

Uma mulher foi estuprada.

Sofreu com a violência, sofreu com assumir e denunciar, sofreu mais ainda ao descobrir que ficou grávida. A lei lhe garante o direito ao aborto. Essa mulher medita, decide que não quer uma criança fruto de uma brutalidade. Essa mulher procura o sistema de saúde para fazer valer o seu direito: o Brasil autoriza o aborto em casos de estupro.

Todo este processo é sofrido. Todo ele é agressivo. Porque nada que começa com o estupro fica legal. Agora me digam, qual o sentido de expor essa mulher à imagens de fetos e falar sobre a fase do processo gestacional em que ela está, como propõe a deputada Celina Leão num projeto de lei para o DF? Essa mulher já decidiu pelo aborto e esse é um direito dela. Ela não quer essa criança. Lidem com isso! Qualquer coisa que tente dissuadi-la dessa decisão é pisotear uma pessoa que já está em sofrimento. É tortura. É ignorância.

(Foto: Getty Images)

 

O Brasil tem uma resistência muito grande ao aborto (legalizado em diversos países de primeiro mundo). E, mesmo sabendo que a cada 11 minutos uma mulher é estuprada por aqui, ainda se culpa a vítima, sua roupa ou o horário em que caminhava na rua. O Brasil é o país que diz "bem feito" quando uma mulher morre em decorrência de um aborto ilegal. Uma das poucas coisas que nos mantém dignos em relação aos direitos da mulher é que por aqui, ufa, podemos recorrer ao aborto em caso de estupro, risco de vida e comprovada anencefalia do feto. Dificultar ou expor a mulher a mais sofrimento neste processo é jogar fora esse pingo de dignidade que nos resta.

Se uma mulher, violentada e grávida, decidiu que o melhor a ser feito é o aborto, mostrar fotos de fetos e falar da gravidez é um descalabro completo. Falem do processo pós-operatório. Falem que a vida vai sorrir novamente. Não falem nada. Mas, pelo amor, não falem de bebê e gestação.

O projeto de lei diz que esse método é para "esclarecer as gestantes vítimas de estupro sobre os riscos e as consequências do aborto". Mas e as consequência de ter, para a vida toda, o filho de uma pessoa que te violentou? E as consequências para essa criança de saber que é fruto de um estupro? Melhor não contar? Daí vem a vida sem pai, cercada de mistério e de medo. Falam isso também?

(Eu deveria estar aqui dizendo que o corpo é meu e o aborto deve ser um direito da mulher de forma geral. Mas não, eu tô pedindo pelo amor de Deus pra deixarem as mulheres violentadas abortarem em paz. Em que século estamos, mesmo?)

Sobre a autora

Comentarista na CNN Brasil, a jornalista Lia Bock começou a blogar em 2008 no site da revista "TPM", onde foi também editora-chefe. Passou por publicações como "Isto É", "Veja SP" e "TRIP". É autora dos livros "Manual do Mimimi: do casinho ao casamento (ou vice-versa)” e do "Meu primeiro livro", ambos editados pela Companhia das Letras. É mãe de quatro filhos e pode ser encontrada no Instagram @liabock e no Twitter @euliabock

Sobre o blog

Um espaço para pensatas e divagações sobre notícias, sexo, filhos, coração partido, afetações apaixonadas e o que mais parecer importante ao universo feminino.

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