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Lia Bock

Ele matou a paquera. Agora vai matar pessoas: abaixo o vidro fumê!

Lia Bock

25/06/2017 04h00

Foto: Getty Images

Há mais ou menos dez anos escrevi um texto sobre paquera no trânsito. Nele, eu vociferava contra a indústria automobilística e a nova moda dos vidros escuros, que atrapalhavam a paquera de dentro de nossas bolhas motorizadas. E não só, né? Para roteiristas e escritores no geral é a maior diversão ficar pensando história para as pessoas, pensar nas músicas que elas estão ouvindo e para onde vão. Mas enfim, os anos se passaram e eu me tornei mais radical. Sim, porque os vidros se tornaram ainda mais escuros e acabaram não só com a diversão de ver os outros, como acabaram com qualquer possibilidade do cara ao lado dar passagem.

Outro dia vi uma cena tristemente hilária. Um senhor, de seus 70 anos, estava na faixa de pedestres esperando alguém parar para ele atravessar. Um carro parou. O pedestre atravessou? Não. Titubeou na beira da calçada e fez aquele tradicional "deixa-que-eu-deixo". O carro fez o mesmo e ninguém tomou a dianteira. Daí fulaninho do carro abre o vidro e grita: "Vai, tio! Atravessa logo, pô!". E o "tio" responde: "desculpe, eu não entendi que era pra passar".

Claro que ele não entendeu! O vidro do fulaninho era tão preto, mas tão preto, que parecia não ter ninguém ao volante. Ou pior, poderia ter alguém que parou porque estava no celular. Podia ter alguém que estava tendo ataque cardíaco ou poderia ser a Fernanda Lima dando uns beijos no maridão. Se ele não abrisse o vidro, jamais saberíamos. Sim, porque com o avanço da tecnologia, agora até o vidro dianteiro é escuro. Parece uma frota de carros dirigidos por ninguém.

Gente, não é mais a paquera que está em jogo. São as nossas vidas (pausa dramática!).

Arranquem esses insulfilmes retintos e bora ver o sol brilhar. Bora olhar no olho do ciclista e balançar a cabeça como quem diz: "pode passar". Comunicação é tudo no sistema viário!

O que se passa dentro do carro de vocês que o mundo não pode ver? Qual a utilidade real dessa parada? Vocês fumam muita maconha na Vinte e Três de Maio? Tiram meleca do nariz? Estão sempre com um amante no banco do passageiro? Ou não querem olhar nos olhos dos excluídos que pedem dinheiro no farol?

Vamos repensar isso aí. Mais transparência, sempre!

Sobre a autora

Comentarista na CNN Brasil, a jornalista Lia Bock começou a blogar em 2008 no site da revista "TPM", onde foi também editora-chefe. Passou por publicações como "Isto É", "Veja SP" e "TRIP". É autora dos livros "Manual do Mimimi: do casinho ao casamento (ou vice-versa)” e do "Meu primeiro livro", ambos editados pela Companhia das Letras. É mãe de quatro filhos e pode ser encontrada no Instagram @liabock e no Twitter @euliabock

Sobre o blog

Um espaço para pensatas e divagações sobre notícias, sexo, filhos, coração partido, afetações apaixonadas e o que mais parecer importante ao universo feminino.

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